A espiral da dívida/liquidez

16/11/2020

Durante o fim de semana dediquei uma hora para assistir uma entrevista com Michael Howell, ex-diretor da área de pesquisa da Salomon Brothers, e hoje estrategista da empresa londrina CrossBorder Capital. Howell nos apresenta sua tese em que a liquidez dos mercados, o endividamento das empresas e do governo, assim como os preços dos ativos, estão todos interligados através de uma estrutura que ele denomina de espiral da dívida/liquidez. 

De forma resumida, pode-se dizer que Howell está otimista com os mercados de renda variável, do ouro e do bitcoin. Em contrapartida, anda bastante pessimista com o valor relativo do dólar e da renda fixa. 

Talvez a principal diferença entre suas previsões e a de consenso de mercado seja o fato dele julgar que os preços das ações não estejam tão elevados como muitos proclamam. Seu modelo de precificação parece atribuir um maior peso ao fator liquidez do que outros fatores como aqueles associados à lucratividade. 

Abaixo, compartilho alguns gráficos de sua apresentação seguidos de um comentário explicativo. 

No gráfico acima temos a liquidez global -- medida pela quantidade de dinheiro em circulação (linha laranja) -- em comparação com uma medida ampla de preço dos ativos; medida essa que inclui o preço do ouro e dos imóveis, de forma global. Note que preços e liquidez são fortemente correlacionados. Além disso, observa-se que, recentemente, a liquidez saiu na frente e os preços ficaram para trás. 

Através do gráfico acima observamos algo que já sabemos: que o endividamento global (empresas e governos pelo mundo) cresceu em um ritmo mais acelerado do que a liquidez global. 

Michael Howell está bastante preocupado com um repique inflacionário. De acordo com o estrategista, a inflação tende a subir não só por fatores monetários, mas também devido a ruptura ("decoupling") na corrente de comércio entre os EUA e a China. O gráfico acima nos mostra uma inflação que veio caindo nos últimos 30 anos devido a fatores tecnológicos, demográficos e estruturais (globalização). Howell espera ver um salto nos índices de inflação dos EUA para níveis superiores a 2% que promoverá uma inclinação na curva de juros americana. 

A necessidade de financiamento, não só americana, mas também europeia e japonesa, contribuirá para um aumento na liquidez que deverá impulsionar os preços do ouro, do bitcoin e das ações globais. No gráfico acima temos a relação entre o ouro e o bitcoin. Observe que, nos últimos 3 anos, o preço do bitcoin tem oscilado em torno de uma média de 6x o preço do ouro. 

Voltando ao tema inflação, o gráfico acima ilustra o declínio em termos percentuais dos recursos oriundos dos EUA e Europa destinados a investimentos em capital ("CAPEX"). Isso ocorreu devido ao crescimento em importância das cadeias produtivas chinesas. Essa configuração foi algo desinflacionário; algo que, aos poucos, começa a se alterar devido a processos de reversão no fenômeno da globalização.

No gráfico acima, Howell nos mostra que o valor dos ativos de renda variável não estão elevados quando comparados ao valor dos ativos de renda fixa mais a quantidade de dinheiro em circulação. O que é interessante aqui é que Howell parte de um foco de alocação global ignorando questões fundamentalistas associadas a perspectiva de lucros. 

Vejo este gráfico como um importante sinal de que as ações localizadas fora dos EUA devem estar realmente baratas, pois, como sabemos, as ações americanas foram as que mais se valorizaram nos últimos anos. 

No gráfico acima temos uma ilustração sobre como a liquidez global foi canalizada nos últimos anos. Como podemos observar, uma boa parte foi destinada aos EUA. Uma das razões para este fenômeno, de acordo com Howell, tem a ver com o combate a corrupção na China -- uma das principais iniciativas de Xi Jinping que contribuiu muito para a valorização de ativos americanos.

O gráfico acima carece de dados explicativos, mas busca ilustrar o nível de aversão a risco presenciado no mercado ao longo dos últimos meses. O que podemos observar é que, em março deste ano, as pessoas entraram em um nível de pânico que foi bem mais profundo do que aquele vivido na grande crise financeira de 2008.

Finalizando a apresentação, temos um gráfico que nos chama atenção a respeito do potencial de valorização das ações globais. Por mais que determinados segmentos da renda variável estejam caros, o segmento como um todo encontra-se barato diante da liquidez injetada nos últimos anos. Além disso, é praticamente certo que mais liquidez está por vir, pois governos e empresas precisam refinanciar as dívidas existentes. 

Marink Martins

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