Cresce o uso de "artifícios contábeis" nos EUA

22/10/2019

Optei por classificar como "artifício contábil" algo que o Wall Street Journal descreveu como um maior uso de "non-GAAP adjustments" nos demonstrativos financeiros das empresas americanas. Indo diretíssimo ao ponto: em tempos de mercado em alta, muitos investidores, inebriados pelo viés da confirmação, simplesmente não leem as notas explicativas dos balanços.

Se em um passado distante alguns títulos vinham acompanhados de um cupom destacável, ou mesmo de uma opção de compra de longo prazo (algo conhecido em inglês como uma "warrant"), hoje eles parecem vir acompanhados de uma espécie de pílula que faz com que seus compradores percam o senso crítico e fiquem praticamente tomados por tal viés. O viés da confirmação é uma tendência a se lembrar, a interpretar ou a pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais.

"Por favor, não venha falar mal da minha Magalu!" diria o "comprado" nas ações da varejista que se tornou um dos símbolos do "bull market" brasileiro. Mas o mesmo ocorre com empresas americanas e ao redor do mundo. Nos EUA, empresas como Beyond Meat, Nvidia, Roku, e muitas outras, contam com uma base acionária que cada vez mais se parece com uma torcida de um time de futebol.

Com isso, o que vemos é uma espécie de abuso onde as empresas não hesitam em publicar resultados ajustados. Sejam eles EBITDAs ajustados ou resultados pro-forma, o que muitas empresas andam fazendo é permitir que eventos não-recorrentes transitem pela área do DRE dedicada a atividades operacionais com o intuito de inflar seus resultados.

Um estudo da Harvard e do MIT indica que não só cresce o uso de tais artifícios por empresas americanas, mas também aponta para o fato de que tais artifícios inflaram os resultados em aproximadamente 15% quando comparados com os resultados publicados de acordo com a normas contábeis do país ("GAAP earnings").

Não é a primeira vez que abordo este tema por aqui. Busco sempre chamar a atenção de investidores quanto aos cálculos associados a ativos intangíveis em um balanço patrimonial.

Considerando que esta semana marca o início da divulgação dos resultados do terceiro trimestre das empresas brasileiras, convido o leitor a ser mais criterioso e a dedicar uma hora de seu dia para ler as notas explicativas associadas ao balanço de sua empresa favorita. Você vai se surpreender com a diferença de tom entre o que é conhecido como "earnings release" (que na verdade se trata de um material de marketing da empresa) e as verdadeiras demonstrações financeiras publicadas no ITR. Você pode obter estes dados no próprio site da empresa ou através do site da CVM.

Marink Martins

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