"Not a Lehman Moment"

29/09/2021

Em se tratando de mercado, há sempre a presença de um grupo que deseja ver o que chamo de "sangue nas ruas". A atual crise imobiliária chinesa, em que o conglomerado Evergrande desempenha um protagonismo, tem sido o principal alvo dos céticos. Com um endividamento que representa aproximadamente a metade do valor do passivo do Banco Lehman Brothers em 2008, o caso Evergrande foi rapidamente apontado como um possível "Lehman Moment", ou, para os mais técnicos, um "Minsky Moment".

"Só que não!" diria os analistas da casa de pesquisa Gavekal. Primeiramente, os analistas esclarecem que a crise financeira de 2008 foi uma crise sistêmica em que o Banco Lehman Brothers não foi o causador, mas sim a vítima mais famosa entre diversos bancos globais que precisaram ser absorvidos por outros mais fortes. Naquela ocasião, o governo americano, representado pela figura do Secretário do Tesouro Hank Paulson, fez o que pode na tentativa de manter o sistema financeiro de pé.

No caso chinês há uma diferença importante. Por lá, de acordo com a Gavekal, a crise que afeta a Evergrande e outras do setor de construção civil, é provocada por iniciativas do próprio Partido Comunista Chinês. Ao estabelecer métricas contábeis conhecidas como "Three Red Lines", o governo chinês estabeleceu critérios mais rígidos, de forma preventiva, para evitar que uma eventual crise entre em uma das partes, venha a afetar o todo, de forma análoga ao que ocorreu no mundo ocidental em 2008.

Em um relatório preparado pelo Banco Nomura é apresentada uma tabela ilustrando como as 45 maiores empresas do setor de construção civil do país se enquadram diante das regras contábeis estabelecidas. Neste, conforme podemos ver na tabela abaixo, observa-se que somente duas empresas estão completamente sem acesso a crédito devido ao desenquadramento diante dos critérios estabelecidos.

Dito isso, a Gavekal deixa claro que o caso Evergrande, embora não represente um "Lehman Moment", certamente deixará marcas e consequências econômicas. Dentre elas, a busca por se tornar "grande demais para quebrar" ("Too Big to Fail") abrirá espaço para uma nova cultura corporativa. Uma onde ser pequeno o suficiente para escapar do radar dos reguladores passa a ser um atributo desejável.


A verdade é que a economia chinesa passa por uma tremenda transformação e isso tem muito a ver com um choque demográfico que já está em curso. Falei sobre isso no MYCAP TENDÊNCIAS GLOBAIS -- UMA DEMOGRAFIA PERTURBADORA (https://youtu.be/YYxxhSYFEkQ). Na essência, vale destacar que eventos como a crise financeira de 2008 foram extremamente deflacionários. O que está em curso na China é algo diferente, que tende a afetar o mundo de uma forma mais perversa, mais inflacionária.


Marink Martins
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