Por trás do desânimo com a bolsa de valores brasileira
É inquestionável o sentimento de desânimo que parece ter tomado conta do mercado acionário brasileiro desde o ápice atingido em 2021. E olhe que, em termos nominais, o retorno do Ibovespa desde o início da pandemia (2020) foi positivo -- próximo a 22%, ou aproximadamente 4% ao ano. Tal retorno, ainda que positivo, foi baixíssimo quando comparado ao oferecido através dos mais variados títulos de renda fixa de curto prazo disponíveis no país. Além disso, quando comparado a outros índices de renda variável ao redor do mundo, o nosso IBOV ficou definitivamente para trás (o S&P 500 subiu mais de 100% nos últimos 5 anos). O fato é que nos últimos 5 anos vivemos por aqui uma importante compressão de múltiplo da relação Preço/Lucro e um mercado de capitais (últimos 3 anos) praticamente voltado para emissão de debêntures ao invés de emissão de ações.
O que pode estar por trás de todo este desânimo que parece tomar conta do mercado de ações brasileiro?
1. Foco no "retorno DO capital" ao invés do "retorno SOBRE o capital"
Não há dúvida que, nos últimos anos, os agentes premiaram ativos associados à QUALIDADE em detrimento de ativos de empresas endividadas ou aquelas situadas em países cujas moedas são consideradas vulneráveis. De forma silenciosa, os agentes se comportam como se o mundo caminhasse para um eventual "RESET", onde somente as empresas reconhecidas por suas marcas e "fortaleza financeira" sobreviveriam. Podemos observar isso no setor automotivo global. Observe que empresas como a Ford e GM -- apesar de terem os carros mais vendidos nos EUA (F150 e Silverado, respectivamente) -- negociam com um índice P/L projetado baixíssimo (por volta de 6x), em comparação a um P/L elevadíssimo (superior a 100x) para as ações da Ferrari.
Em outras palavras, apesar da liderança momentânea da Ford e da GM, os agentes se mostram céticos em relação à possibilidade de sobrevivência de longo prazo destas empresas. Esta analogia se estende a empresas brasileiras. Em particular, as empresas que compõem o índice SMAL11 estão entre as mais ignoradas pelos agentes.
2. Foco em ativos localizados onde há um elevado nível de consumo interno
Dentre os mercados que registraram as melhores performances ao longo dos últimos 5 anos temos o mercado norte-americano, o da Índia, o da Alemanha, e o de Taiwan. Este último foi naturalmente turbinado pelo sucesso da empresa TSMC. Por trás desta preferência parece existir uma premissa que caminhamos para um mundo cada vez menos globalizado. Observe que a China -- definitivamente, o maior exportador global -- vive um período deflacionário e de profundo descontentamento entre os trabalhadores mais jovens.
Há certamente diversos outros fatores afetando os mercados. No mercado internacional, ao longo dos últimos anos, muito se falou a respeito da preferência por "MOMENTUM" e do fenômeno da INDEXAÇÃO. Assim, aquilo que está performando bem, acaba ganhando um maior peso nos índices globais e consequentemente atraindo uma demanda cada vez maior.
Um outro fator -- este menos comentado -- atende pelo nome de "turquenização". Tal fenômeno se refere à observação de que, mesmo denominado em dólares, o valor das ações das empresas turcas se valorizou em meio a escalada da inflação naquele país. O fenômeno da "turquenização" tem a ver com movimentos de "repressão financeira" que tendem a ocupar um espaço cada vez maior na mídia financeira.
Por fim, é impressionante como os títulos corporativos estão performando bem em relação aos títulos emitidos pelos governos. Tal fenômeno vem ocorrendo não só no Brasil, mas principalmente nos EUA. O gráfico abaixo é ilustrativo deste fenômeno. Conforme podemos observar, os "spreads over treasuries" tanto dos emissores "investment grade", assim como dos "High Yield", estão nas mínimas dos últimos 20 anos.
Marink Martins