Segunda-feira da incerteza

20/09/2021

Os investidores globais já vem reduzindo sua exposição a China!

Os mercados são sempre imprevisíveis, mas esta segunda-feira me parece trazer um grau um pouco maior de imprevisibilidade. Talvez seja devido ao fato de que, mesmo preocupado com os diversos fatores escritos no último Comentários de Mercado, fui surpreendido com tamanho pessimismo e falta de reação dos mercados na última sexta-feira.


O fato de que na sexta-feira tivemos o vencimento de opções por aqui e o vencimento de diversos contratos derivativos nos EUA certamente contribuiu para o comportamento do mercado. No entanto, uma maior preocupação com o caso Evergrande tomou conta das mídias sociais. Muitos agentes receosos de um "Lehman Moment" diante do passivo superior a 300 bilhões de dólares da empresa.

 
Felizmente, para esta segunda-feira, temos um feriado na China. Além disso, é importante que o investidor entenda que os títulos de renda fixa da Evergrande já vem negociando entre 20% e 40% de valor de face há algum tempo. Sendo assim, boa parte do risco de perda de principal (calote) já está assimilado nos preços dos mercados.

 
Em um passado distante, em uma época áurea dos "Brady Bonds", o Brasil possuía dois títulos muito negociados nos mercados: um título curto denominado IDU e outro mais longo denominado C-Bond (estes foram trocados por Global Bonds). Durante o fatídico ano de 1998, um período de forte aversão a risco global e especulação de calote brasileiro, os C-Bonds despencaram de 80% para algo próximo a 35% de valor de face. Este movimento foi extremamente doloroso para os ativos de renda variável brasileiros. É justamente esse tipo de queda que machuca!


No caso da Evergrande, tal movimento já ocorreu e seus investidores já estão lambendo suas feridas há bastante tempo. Isso não quer dizer que a situação não possa piorar e não possa ter um efeito de contágio em outros setores da economia chinesa. No entanto, penso que o caso Evergrande será um caso que culminará em um resgate seletivo, beneficiando -- mesmo que parcialmente -- os detentores dos títulos de renda fixa.

 
Neste momento em que escrevo (domingo, às 20:45) temos a moeda chinesa estável saindo a 6,4655 por USD, e o contrato futuro do índice S&P 500 sendo negociado a 4.415 -- 7 pontos acima do nível registrado no "after" da última sexta-feira. Em suma, temos uma situação relativamente calma.

 
Dito isso, estamos entrando em uma fase em que poderemos ver não só uma intensificação das batalhas políticas nos EUA, mas também um maior nervosismo do ponto de vista geopolítico. O noticiário internacional nos fala sobre a China invadindo o espaço aéreo de Taiwan, sobre a frustração francesa diante de ter sido excluída por americanos de negociações de submarinos, e muitas outras questões que poderão ganhar tração nas próximas semanas.

 
Enquanto isso, por aqui, após o mau humor com o aumento do IOF, o mercado agora só quer saber de uma solução para o caso dos precatórios. Neste sentido concluo os meus comentários do dia, compartilhando um resumo dos desafios orçamentários do Brasil escrito por ninguém menos do que Mansueto Almeida, hoje no BTG:


Pontos importantes para acompanhar na questão fiscal


1- Hoje, o Bolsa Família é um programa para 14,6 milhões de lares com benefício médio de R$ 190. Plano do governo é elevar o programa para R$ 300 e o número de lares beneficiados para 17 milhões.


2- Para o governo conseguir elevar o valor e o número de beneficiários do Bolsa Família, ele precisa encontrar espaço no teto de gastos de mais de R$ 20 bilhões. Só vai conseguir isso se resolver a questão dos precatórios, retirando do teto e/ou parcelando os pagamentos.


3- Uma vez resolvido o problema dos precatórios e do teto, governo teria ainda que encontrar fonte (aumento de tributos ou da base tributária) para aumentar o bolsa família e cumprir o Art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O plano A do governo era a reforma tributária. Se não for aprovada, o plano B é rever desonerações tributária, uma ação que exige muita coordenação política e mesmo assim é difícil.


4- E se as duas alternativas acima falharem? Depois do que ocorreu esta semana com aumento das alíquotas do IOF, o governo pode decidir aumentar um outro imposto qualquer para ser a fonte do bolsa família ampliado: IOF, CSLL e mesmo recriar a CPMF.


5- Uma alternativa seria simplesmente excepcionalizar o bolsa família da regra do Art. 17 da LRF, que exige a definição da fonte de recurso. Governo fez algo semelhante no final do ano passado com a Lei Complementar 176/2020, que criou um programa de R$ 58 bilhões para substituir a Lei Kandir que compensa os estados pela desoneração das exportações. Mas Ministério da Economia resiste em criar mais uma exceção à LRF.


6- Por fim, alguns senadores já afirmam que um novo bolsa família para 17 milhões de pessoas não seria suficiente, pois o auxílio emergencial hoje pega cerca de 40 milhões de pessoas. Assim, 23 milhões de pessoas perderiam o benefício do auxílio emergencial em uma economia que ainda não se recuperou totalmente dos efeitos econômicos e sociais da COVID-19. Neste caso, o custo adicional de uma renovação do auxílio emergencial poderia ultrapassar a cifra de R$ 50 bilhões de gasto extra para o próximo ano.


Em resumo, os pontos acima mostram o enorme desafio que o governo tem ao longo dos próximos dois meses para resolver: (1) o problema dos precatórios, (2) encontrar espaço no teto para aumentar valor do bolsa família, (3) definir a fonte de recursos para o novo bolsa família; e (4) convencer a sua base política que não é mais necessário renovar o auxílio emergencial.


Mansueto Almeida

BTG Pactual

Marink Martins

www.myvol.com.br