Uma política monetária arrogante

09/03/2022

Roubei a expressão acima da newsletter "Quoth The Raven" publicada no ZeroHedge. Nela, o autor faz duras críticas a política monetária vigente nos EUA que tem como objetivo a ideia de que é possível gerar um bem estar para todos, a todo o tempo. Um objetivo certamente utópico.

Na última sexta-feira, escrevi aqui sobre a complacência dos investidores americanos. E neste sentido, tal complacência é algo exclusivo dos americanos que, por residirem no país que "ainda" é o detentor da reserva de valor global (o dólar), foram levados a acreditar que existe almoço grátis. Devo dizer que não era assim. Esta arrogância é recente!

Não pense que isso seja antiamericanismo da minha parte. O meu ponto é que não era assim, nem na época de Volcker, nem na época de Greenpan. Tudo mudou quando perguntaram a Ben Bernanke sobre o que ele faria diferente em 2008/2009 se ele pudesse voltar no tempo. No que ele respondeu: "I would have done the same, but bigger!" (eu faria o mesmo, porém, em maior intensidade!)

E o que Bernanke fez? Pode-se dizer que Bernanke teve a "cara de pau" de colocar em prática iniciativas que, em época de crise certamente foram cogitadas no passado por seus antecessores no FED, porém descartadas devido às consequências nefastas associadas a elas. E o mercado certamente demorou a entendê-las.

Aquele que sofreu com a crise de 2008 (e como sofri!) ficou estupefato ao ver que aquela a grande crise financeira de 2008 acabou em um "toque de mágica" no dia 9/março/2009 no momento em que foi modificada a regra contábil FAS 157, permitindo que os bancos americanos não mais precisassem "marcar a mercado" seus títulos. A mudança, feita pelo conselho contábil dos EUA ("FASB"), colocou um fim à crise ao permitir que bancos não tivessem que vender seus ativos tóxicos de forma forçosa, uma vez que a nova lei permitia uma precificação mais acomodativa.

Assim, as operações de "afrouxamento monetário quantitativo" ("QE") de Bernanke, em conjunto com a "contabilidade criativa" permitida pela regra da FASB alçou os EUA a uma nova era.

A atitude de Bernanke deu início (ou intensificou) movimentos associados a "momentum", a "buy the dip" (caiu/comprou), e a ideia de que existe um almoço grátis que atende pelo nome de "a PUT do FED". Mais precisamente, a percepção de que, em caso de adversidade, "o pai ou a mãe" FED sempre aparecerá para o resgate.

Investidores que, em um passado distante, chegaram a encarar um FED mais reservado -- capaz de surpreender o mercado com elevações e cortes na taxa do fed funds de forma surpreendente entre reuniões -- passaram a ser tratados como adolescentes mimados que não podem ser contrariados.

Quando chegou a vez de Powell, até que ele tentou fazer diferente. Mas, no período natalino de 2018, quando parecia que ele daria uma lição aos investidores, ele não aguentou a pressão trumpiana e pivotou!

Veio a crise da pandemia e Powell seguiu perfeitamente os mandamentos de Bernanke. Ele não só expandiu os ativos do FED em 4 trilhões de dólares, mas, em parceria com o Tesouro dos EUA, fez com que o patrimônio líquido das famílias americanas crescesse em 30 trilhões de dólares nos últimos dois anos! (tudo isso em uma economia cujo PIB é de aproximadamente 21 trilhões de dólares).

Hoje, Jerome Powell é uma espécie de Clark Kent no filme Superman III. Ele vive o conflito entre salvar o mercado e honrar o passado da instituição que já foi a casa de Volcker. Por isso, os agentes dos mercados querem saber: se há de fato uma PUT do FED (contrato de opção de venda oferecido aos investidores de forma gratuita pelo FED), onde estará seu preço de exercício?

Já ouvi falar no nível de 3.700 pontos para o S&P 500. Há quem diga que a tal PUT esteja associada a um diferencial de taxa na renda fixa. Diz-se que, são nos momentos em que o "spread" entre os títulos do tesouro dos EUA e os títulos corporativos classificados como BBB atingem 200 basis points (2%) que o FED mostra sua força!

No gráfico acima temos este "spread" associado aos títulos BBB em preto. Em vermelho, temos a taxa básica da economia americana: o FED Funds. Observe que o FED de hoje já não tem a mesma munição de outrora.

Ao contrário das crises anteriores, hoje o FED simplesmente não tem como reduzir a taxa (ela já está no "chão") e não tem como retomar o "afrouxamento monetário" (QE), pois a inflação está nas alturas. Além disso, não devemos esquecer que devido ao jogo de sabotagem entre democratas e republicanos, Powell nem sequer foi confirmado para mais um mandato. Os republicanos tentam atrapalhar Biden de todas as formas. E este meio que se atrapalha sozinho.

Sendo assim, os investidores, por todo o mundo, estão condenados a viver em um regime de alta volatilidade nos mercados. Algo que, além de desafiador, tende a afastar os investidores do mercado.

Aliás, historicamente, os períodos de retração nos ciclos econômicos sempre afastaram investidores. Isso ocorreu nos anos subsequentes a crise asiática, ao estouro da bolha do Nasdaq, e a crise do subprime. Curiosamente, em um movimento contrário à norma, a crise associada à pandemia atraiu 10 milhões de novos investidores para a corretora RobinHood e garantiu um lucro recorde aos bancos de investimentos responsáveis por IPOs. As políticas (em conjunto -- a monetária de Powell e a fiscal de Mnuchin/Yellen) não só foram arrogantes, mas também audaciosas!

Os investidores, principalmente os que começaram a investir nos últimos dois anos, estão vivendo à base de zolpidem (nos EUA este sonífero atende pelo nome de Ambien) e não sabem. Por isso, concluo este comentário com o aviso do estrategista da Artemis Capital, Chris Cole: "volatility is the instrument that makes us face the truth"! (a volatilidade é o instrumento que nos faz enxergar a verdade). Que assim seja!

Marink Martins


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