Ainda sobre a inversão da curva de juros nos EUA

02/04/2019

Antes de delinear alguns cenários para a inversão da curva de juros, gostaria que o leitor refletisse a respeito do elevado nível de interferência do governo americano nos principais preços da economia. Tá certo que, em determinados momentos em um passado distantes, isso já ocorrera. Agora, porém, me parece exagerado.

No gráfico acima temos os 3 principais preços na economia global. Já o quarto elemento refere-se aos spreads praticados no mundo corporativo, que passou a ser determinante para o bom comportamento da economia global.

Pois veja:

  • Sobre o preço do petróleo: Trump parece querer manipular o preço através de seus tweets, ditando se o preço praticado no mercado está elevado ou não. Pudera, como podemos ver no gráfico abaixo, a Saudi Aramco foi a empresa mais lucrativa de 2018, e o preço do petróleo representa um importante imposto global.
  • Sobre o preço/taxa dos títulos do tesouro americano: nos últimos dias, Larry Kudlow, secretário de política econômica de Trump, foi a público dizer que o FED necessita promover um corte de juros no FED FUNDS de 50 basis points. Bem, se a economia americana está indo tão bem como Trump diz, tal comportamento é, no mínimo, suspeito.
  • Sobre o preço do dólar: aqui a retórica tem sido mais amena. Mesmo assim, é claro que o país se afasta de uma política de "king dollar"; de uma política de dólar forte.

Como podemos ver no gráfico acima, a Saudi Aramco - petrolífera da Arábia Saudita - foi a empresa que mais lucrou em 2018. O preço do petróleo é definitivamente um enorme imposto global, que transfere recursos para os cofres dos sauditas.

Ainda sobre a inversão na curva de juros dos EUA

Ontem escrevi aqui sobre a dinâmica da curva de juros norte-americana. Hoje vou explorar alguns cenários que podem ou não explicar a atual inversão da curva.

Um primeiro cenário estaria associado a uma premissa de que o mercado estaria errado com relação a perspectiva de recessão norte-americana e a curva de juros estaria invertida por fatores técnicos associados a arbitragem de juros com títulos europeus.

Por mais pretensiosa que tal tese possa parecer, considere que os principais preços da economia - aqueles 4 preços muito discutidos aqui - encontram-se estáveis, não mostrando sinal algum de que uma recessão esteja iminente. Estou falando aqui da taxa dos 10-anos dos EUA, dos spreads corporativos, do preço do petróleo, e do preço do dólar. Até o momento, não há estresse em nenhuma das frentes.

Caso esse primeiro cenário seja factível, o mercado de ações estaria apresentando uma ótima oportunidade de compra. O que vimos no pregão de ontem é algo que parece ir nesta direção. Entretanto, um dia, uma semana, simplesmente não é tempo suficiente para tirarmos uma conclusão definitiva.

Um segundo cenário muito discutido é a presença de um risco político que vem contribuindo para um menor crescimento econômico global. Assim, as empresas estariam segurando seus respectivos "capexes" (despesas com investimentos) devido a incertezas com relação a demanda futura.

Esse talvez seja um argumento fraco, pois quando olhamos o comportamento dos mercados em diversas ocasiões no passado, observamos que, mesmo após o ataque de 9/11, as empresas não deixaram de investir.

Um terceiro cenário que julgo mais plausível diz respeito a uma tese de que há uma espécie de freio na economia global associado a algumas indústrias específicas.

Neste caso vemos um declínio no consumo de automóveis que se materializa mundo afora por algumas razões. Os mais velhos estão inseguros para trocar seus carros diante de novas tecnologias disruptivas como carros elétricos autônomos, carros elétricos e etc. Já os millenials simplesmente optam por viver sem carro e utilizar a economia de compartilhamento.

Da mesma forma, observamos também um declínio nas vendas de smartphones. Há um processo claro de exaustão neste segmento dado que os ganhos marginais associados a novos lançamentos não parecem ser tão atraentes assim. Veja a Apple. Em evento realizado há duas semanas, o lançamento mais comentado foi um cartão de crédito.

As consequências associadas a esta tese contribuem para que o investidor seja mais seletivo, se afastando de segmentos problemáticos.

Há outras duas teses que complementam esta análise. Uma diz respeito as mudanças demográficas na sociedade e ao elevado endividamento que certamente atuam como um freio na economia. A outra diz respeito ao que especialistas chamam de uma depressão secundária associada ao fato de que o mundo pode ter simplesmente produzido demais; pode ter gerado um excesso de capacidade instalada, muito comum após ciclos expansionistas como esse resultante do enorme crescimento econômico chinês visto nos últimos vinte anos.

Vou explorar estas duas teses em mais detalhes no comentário de amanhã.

Marink Martins  

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