Aonde foi parar a inflação?

24/05/2019

A inflação, que certamente é um dos mais importantes fenômenos monetários, historicamente, foi responsável por inúmeros movimentos disruptivos ao longo da história.

Há quem diga que Louis XVI não teria sido decapitado caso a inflação de alimentos no país não estivesse tão elevada nos anos que antecederam a revolução francesa em 1789. Da mesma forma, há quem diga que, 200 anos mais tarde, o massacre ocorrido na Praça da Paz Celestial (Tiananmen Square) em Pequim também não teria ocorrido caso a inflação não estivesse rondando na casa de 20% ao ano na China. Para o trabalhador brasileiro, ativo durante os anos 80, a inflação moldou a forma como se poupava e como se consumia durante o período.

O plano Real, lançado em 1994, foi determinante para trazer a nossa inflação para patamares aceitáveis. Mesmo assim, um breve retorno dela em 2015, contribuiu para que Dilma Rousseff não terminasse o seu segundo mandato.

Mas o que será que aconteceu com a inflação global?

O famoso economista francês, Jacques Rueff, diz que a inflação consiste da implementação de projetos que não geram retorno algum com dinheiro que nem sequer existe. E olhe que esta combinação pode ser vista em todos os lugares do mundo e, mesmo assim, nada de inflação.

Há quem aponte para os avanços tecnológicos como o responsável por uma queda estrutural nos últimos dez anos. Embora este fator certamente contribuiu para uma desaceleração da inflação nos últimos anos, existem outros fatores que, de forma conjunta, fizeram com que a inflação ficasse muito baixa. Vejamos alguns destes fatores:

  1. Redução abrupta nas taxas de juros globais

No começo da década muitos temiam o retorno da inflação devido as políticas monetárias mais frouxas e a significativa redução nas taxas de juros. O que se viu, entretanto, é que boa parte dos recursos ficaram "empoçados" nos bancos centrais, como excedente de reservas dos bancos comerciais. Além disso, observa-se que a queda acentuada das taxas de juros contribuiu para a formação de empresas "zumbis" - empresas que só conseguem sobreviver em um ambiente de taxas de juros baixas. Tudo isso é visto por muitos estrategistas como um fenômeno deflacionário. 

2. A revolução do "Shale Gas/Oil"

Ninguém dúvida da influência do preço do petróleo e do gás natural nos diversos índices de inflação. Assim, a revolução que fez com que produção de petróleo norte-americana saltasse de 5 milhões de barris por dia para 12 milhões de b/d foi algo que certamente contribuiu para a queda na inflação global. 

3. Efeitos contra-cíclicos chineses

Por temer mais a inflação do que os americanos, os chineses no começo da década se movimentaram de uma forma contra-cíclica em comparação ao que estava ocorrendo no resto do mundo; em particular, nos EUA. De lá para cá, houve situações em que os EUA estavam praticando uma política fiscal mais frouxa enquanto os chineses faziam o oposto. Este movimento também tem sido apontado como um que vem contribuindo para uma inflação mais moderada. 

4. Uma combinação política mais austera nos EUA durante os anos de 2010-2014.

Durante boa parte do governo Obama houve uma redução na relação dívida/PIB dos EUA devido a curiosa combinação de ter um líder democrata com um congresso dominado por republicanos. Tal combinação permitiu ao país estabilizar seus gastos de forma que este evento também contribuiu de forma significativa para um nível de inflação mais baixo.

5. Momentos finais do bônus demográfico global

Talvez o mais interessante dos fatores mencionados seja o fato de que a geração dos "baby boomers" - aquele grupo que nasceu logo após a Segunda Guerra Mundial nos EUA - esteja começando a se aposentar justamente neste momento. Estrategistas observam que, entre 1980 e 2015, esta geração contribuiu em larga escala para que houvesse uma abundância de recursos no mundo. Isso fez com que as taxas de juros caíssem de forma significativa e, junto com esta queda, a inflação se mantivesse baixíssima. 

Como podemos observar no gráfico acima, somos "consumidores de capital" entre os anos de 0 a 34 anos. Após esta fase, entramos no mercado de trabalho e passamos a ser "fornecedores de capital" até os 65 anos. Mais tarde, após a aposentadoria, voltamos a ser consumidores de capital. Este padrão é muito comum em quase todos os países. 

No gráfico acima, após um longo período em que a geração de "baby boomers" norte americana entrou no mercado de trabalho e gerou abundância de recursos, temos a situação se alterando. Observe que o gráfico acima exibe uma relação entre poupança e taxa de juros. A linha vermelha - "capital providers ratio" - uma espécie de relação entre fornecedores e consumidores de capital - está invertida intencionalmente. 

É curioso como muitos dos fatores acima já não estão presentes nos dias de hoje. Embora não haja sinais claros de que a inflação esteja voltando com força, há quem se preocupe que, caso ela volte, os bancos centrais simplesmente não conseguirão reagir de forma eficaz como em outrora.

Na visão de Louis-Vincent Gave, estrategista da Gavekal, que vem se dedicando muito ao assunto, a política monetária vigente parece estar presa em uma espécie de Hotel California (aqui Louis toma emprestado uma passagem da música de 1976, de mesmo nome, da Banda Eagles), onde é possível sair, mas você simplesmente não consegue! ("you can check-out at anytime, but you can never leave").

Um bom fim de semana a todos,

Marink Martins


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