Avaliando o grau de complacência dos investidores americanos

28/05/2019

Confesso que ando meio obcecado em buscar uma melhor compreensão a respeito do atual momento econômico das empresas norte-americanas. Talvez seja pela simples falta de reação do mercado em meio a esta intensificação da guerra comercial entre os EUA e a China, ou mesmo, por uma certa irritação ao ouvir comentaristas econômicos afirmarem que o país atravessa um ótimo momento econômico. O fato é que ontem a noite dediquei algumas horas para comparar a taxa de crescimento anual composta (em inglês, CAGR) das vendas, do lucro operacional, do lucro por ação, e do preço da ação de 25 empresas americanas.

Ao fazer este exercício, eu tinha dois objetivos em mente:

  • Testar a tese que afirma que o lucro por ação das empresas vem crescendo a uma taxa bem superior ao lucro operacional devido ao corte de impostos e ao intenso movimento de recompra de ações. Sabe-se que o movimento de recompra de ações traz como consequência uma inflação do indicador de Lucro/Ação uma vez que o denominador da razão (lucro/número de ações em circulação) é reduzido.
  • Comparar a taxa média de valorização das ações nos últimos três anos com a taxa média do crescimento do lucro operacional das empresas no mesmo período.

Com estes objetivos em mente, gerei a tabela abaixo. Comecei computando os valores para 4 das 10 empresas que mais recompraram suas ações nos últimos 5 anos - Microsoft, Cisco, Apple e Oracle. Depois fiz o mesmo levantamento para 21 empresas bem representativas da atividade econômica nos EUA.

Entendo que se permitirmos assumir como premissa que o custo de capital e o apetite ao risco dos investidores se mantiveram constantes ao longo dos últimos três anos, poderíamos inferir que a taxa de valorização das ações das empresas deveria ser próxima a taxa de crescimento do lucro operacional das mesmas. Sendo assim, a diferença entre as taxas de crescimento do preço da ação e do lucro operacional, em tese, representa uma medida do grau de exuberância presente nos mercados.

Uma análise das 4 empresas que mais recompraram suas ações nos últimos 5 anos indica que embora o lucro por ação destas tenha crescido em média 2% ao ano, a valorização no preço destas ações foi bem mais expressiva - algo próximo a 20% ao ano nos últimos 3 anos.

Mas devo confessar que esta análise está longe de ser isenta. Fiz este exercício buscando decifrar o que ocorrera com algumas empresas que, ao longo dos últimos 5 anos, passaram a negociar com uma relação de P/L que é, em alguns casos, (50% ou mais) superior à média da relação registrada na primeira metade desta década. Este é o caso da VISA que no passado negociava com um múltiplo de 20x o seu lucro projetado e hoje negocia em um patamar próximo a 33x o seu lucro por ação projetado para os próximos 12 meses.

E o que vemos na tabela a respeito da VISA é o seguinte:

A empresa foi capaz de crescer suas vendas e lucro operacional de forma expressiva - a taxas de 14% ao ano nos últimos três anos. Mesmo assim, o seu Lucro por Ação andou na frente, crescendo a taxas de 16,45% enquanto o preço de suas ações subiu a taxas de 28% ao ano durante o período de análise.

Mesmo considerando o fato de que seu segmento cresce com um menor uso do dinheiro e um maior uso de cartões de crédito e de débito, é surpreendente a diferença ilustrada na última coluna da tabela.

Para concluir esta análise que, com certeza é bem limitada e não representa nada mais do que um simples ponto de partida, projetei qual seria o valor do índice S&P 500 caso a valorização de suas ações entre o fim de 2015 e 2018 estivesse alinhada com a taxa de crescimento anual do lucro operacional de suas empresas - algo próximo a 5% ao ano. Utilizando um múltiplo de 16,5x - que é acima da média histórica dos últimos 10 anos de 14,5x - cheguei a um valor justo próximo a 2.350 pontos. 

Assim, já me declarando culpado do viés cognitivo conhecido como "confirmation bias", concluo que um eventual recuo entre 15% e 20% no índice S&P 500 estaria alinhado com o que alguns indicadores fundamentalistas parecem sugerir. 

Marink Martins

www.myvol.com.br