Cuidado com a ancoragem!

01/11/2017

O efeito de ancoragem é um viés cognitivo que descreve a comum tendência humana para se basear de forma intensa, ou de se "ancorar", a uma característica ou parte da informação recebida, quando em processo de tomada de decisão. Dito de outra forma, designa a dificuldade de alguém em se afastar da influência de uma primeira impressão.

Ao investir um capital em uma empresa listada na bolsa, embora o façamos com uma expectativa de retorno que seja superior ao retorno esperado para um investimento em renda fixa, uma vez feito, o retorno efetivo de tal investimento estará completamente desassociado as suas expectativas a priori. Este poderá exceder ou não tal expectativa, mas é importante que o investidor se conscientize que suas expectativas iniciais deixam de ser relevantes ao projeto investido.

Uma vez que o capital é recebido pela empresa e empregado em um projeto, seja para a compra de uma máquina, seja para a contratação de funcionários, não há necessariamente um fator de correção monetária associado ao projeto. Seu retorno financeiro será uma função da capacidade de execução de seus administradores.

Por esta razão, julgo que uma análise histórica do índice Ibovespa corrigido pelo IPCA, aquela utilizada por muitos analistas buscando justificar uma maior atratividade para o índice local, comete um grave erro de ancoragem.

Imaginem uma bolsa com uma única empresa (X) e um único investidor (A). "A" investiu R$100m em "X" esperando receber em 5 anos algo próximo a IPCA +20% ao ano. Naturalmente, "A" sabe que está investindo em um projeto que envolve riscos e que seu retorno é variável. Para se construir tal expectativa, "A" assumiu diversas premissas, tanto no nível empresa (micro), como na esfera macroeconômica. Eis que entra um governo e provoca diversas mudanças estruturais, de forma que aquelas premissas iniciais se tornam inválidas. O investimento já foi feito. Deverá existir alguma correlação entre o retorno efetivo (a posteriori) e a expectativa inicial de retorno (a priori)? Acredito que não!

Sendo assim, alegar que o Ibovespa atual estaria longe de sua máxima histórica corrigida pelo IPCA é comparar laranja com banana. Os projetos de hoje não guardam uma responsabilidade compensatória com relação aos retornos registrados no passado.

De forma análoga, quando um investidor estrangeiro converte seus dólares e os emprega em um projeto denominado em reais, seu retorno efetivo dependerá do sucesso de execução de tal projeto e este será denominado em reais. São poucas as empresas brasileiras listadas que fazem hedge cambial. Sendo assim, analisar o retorno do Ibovespa em dólar, alegando que o investidor estrangeiro pensa em dólares, incorre em um erro analítico de ancoragem similar ao descrito acima.

Dito isso, ao analisar a bolsa, olhe para frente. Dê atenção aos lucros projetados para os próximos anos. Agora, livre-se do passado e não arraste correntes!

Um bom feriado a todos!

Marink Martins, CNPI

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