Daqui pra frente tudo vai ser diferente

28/01/2021

A essa altura acredito que podemos afirmar que, quase todos que estão envolvidos com o mercado de ações, já sabem do movimento especulativo que varre o mundo desenvolvido.

Em vídeo publicado na internet, o especulador Dave Portnoy - talvez o maior símbolo da especulação desta época pandêmica - revoltado diante das recentes intervenções no "Reddit WallStreetBets forum", disse que o "flash mob" desta quinta-feira deverá ser ainda mais intensa, envolvendo ações da Nokia, da AMC e de outras empresas.

O que ocorre por lá é inusitado. Está certo que, em outubro de 2008, as ações da VolksWagen dispararam de 200 para 1.000 euros no que, até então, era o maior "short squeeze" de todos os tempos. A Porsche tentou fazer uma compra hostil da VW e -- por uma semana -- a VW ficou como a empresa mais valiosa do mundo. Muitos vendidos em opçoes quebraram e surgiu até uma especulação de que um dos homens mais ricos da Alemanha teria cometido suicídio devido ao prejuízo associado aquela operação. 

Embora o valor da empresa Gamestop - protagonista desta onda especulativa - não chegue nem perto do valor registrado pela VW lá em 2008, a variação percentual ao longo das últimas duas semanas é algo aterrorizante para qualquer um que trabalhe com derivativos.

O mercado americano sempre foi um vale tudo. Dos contratos de balcão conhecidos como ISDAs -- retratados no filme A Grande Aposta -- até as ações "pink sheets"-- retratadas no filme O Lobo de Wall Street - por lá, o baixo nível de transparências nas operações é feito por design, para gerar mais corretagens aos "brokers" e maiores spreads aos "dealers".

Agora tudo tem limite. Após a crise de 2008 e a festa dos ISDAs, vieram leis -- como a Dodd-Frank e a Volcker Rule -- que transformaram a forma de negociação dos contratos.

Diante do movimento atual, um detalhe que me impressiona é o elevado percentual do "free float" vendido a descoberto. Existem casos de diversas empresas em que o percentual vendido a descoberto supera 50%. Isso não ocorre por aqui.

Em um determinado momento, essa onda especulativa irá cessar. Conforme mencionei ontem, os spreads deverão ficar mais largos.

Além disso, a dinâmica associada a venda a descoberta será outra. Afinal, as perdas associadas a estes movimentos são avassaladoras para aqueles pegos na ponta errada da operação.

Aqui no Brasil - durante os anos que antecederam uma operação da Ambev em 2004 ou 2005 - boa parte das ações preferenciais negociava com um ágio em relação as ações ordinárias. Após a operação anunciada que privilegiou as ações ON, o mercado brasileiro foi pego de surpresa e nunca mais foi o mesmo. 

Um outro exemplo, também no Brasil, tem a ver com o "short squeeze" ocorrido na PETR4 no dia em que foi anunciado a dimensão do poço do pré-sal Tupi (novembro/2007). Naquela ocasião, o intervalo de margem utilizado no cálculo das chamadas de margens nas vendas a descoberto de opções e de empréstimo de ações era baixo, entre 12% e 16%. Após aquele evento, o intervalo de margem nunca mais ficou abaixo de 25%. Hoje, para a PETR4 está em 35%, mas, em momentos de tensão, já foi para níveis acima de 50%.  

Eventos da magnitude deste que está em curso nos EUA mudam o mundo.

Marink Martins

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