O declínio do império americano

09/08/2019

Neste momento em que os mercados globais parecem mais frágeis devido a intensificação das tensões comerciais entre os EUA e a China, aproveito para reiterar a tese de que a performance do índice S&P 500 para os próximos anos tende a ser pífia por diversos argumentos que, aos poucos, já começam a se manifestar na principal economia do globo.

Você sabia que desde o início dos anos 50 o índice S&P 500 se valorizou aproximadamente 7,5% ao ano (descontando a inflação do período)? Pois é, dê uma olhada no gráfico abaixo - em versão logarítmica - e veja como as décadas de 50 e 90 se destacam por uma inclinação bem vertical.

Agora, vejamos alguns possíveis catalisadores que deverão levar a uma confirmação da tese apresentada inicialmente.

Primeiramente, creio que podemos destacar que a valorização anual de aproximadamente 7,5%, em termos reais, mencionada acima, foi em parte conquistada por uma combinação de crescimento econômico que contou com 3 componentes importantes:

  • Crescimento populacional
  • Crescimento da lucratividade (produtividade)
  • Expansão de múltiplos de lucro (valuation)

Temos, o que os americanos chamam de "headwind" (vento de proa), nos três componentes acima. Vamos em partes:


Crescimento populacional

Poucos se atentam ao fato de que muito da riqueza gerada nos EUA nos últimos 60 anos teve a ver com uma enorme expansão populacional. Isso não irá mais acontecer daqui para frente. A sorte para os EUA é que, por lá, apesar dos problemas atuais, há um razoável grau de receptividade quanto à imigração. No Japão isso não acontece e é um problema sério. 

Veja o gráfico abaixo e observe a mudança de dinâmica. Empresas tradicionais como a Coca-Cola e outras já nos dizem que grande parte do crescimento na lucratividade é oriundo de mercados emergentes. 

Ainda sobre a questão demográfica, já repeti inúmeras vezes a fala do meu grande mestre Luiz Alberto de Oliveira sobre o crescimento populacional para os próximos 30 anos. Diz ele: sairemos de 7,5 bi de pessoas para 10 bi em 2050, sendo que os quase 3 bi de pessoas adicionais nascerão em regiões pobres da África. Cidades como Lagos, na Nigéria, contarão com superpopulações de 75 milhões de pessoas. A tabela abaixo é bem ilustrativa indicando a população projetada em alguns países para o ano de 2100:


Que boa parte do crescimento econômico virá do que hoje é chamado de mercados emergentes, não  há dúvidas. Na tabela abaixo, temos uma evidência que, com exceção da Índia, não há mais bônus demográfico para nenhum dos países relevantes. Observe na tabela da direita como a proporção entre a classe trabalhadora e a classe ociosa vem diminuindo.

Observe também que a força de trabalho americana tende a crescer em ritmos menores na medida que a política imigratória é mantida. Sem a ajuda dos imigrantes, a força de trabalho tende a se contrair. Estes, por sua vez, tendem a assumir posições políticas mais alinhadas com aquelas do partido dos democratas, o que, neste momento, representa um maior risco fiscal. 


Crescimento da lucratividade (produtividade)

A lucratividade das empresas americanas cresceu nos últimos anos devido a diversos fatores; alguns estruturais, outros não-recorrentes. Entre os fatores estruturais podemos destacar os avanços tecnológicos e a globalização. Já entre os não-recorrentes, destaque absoluto para o corte de impostos promovido durante o governo Trump.

Há, entretanto, diversos "headwinds" neste quesito. Um dos principais é o enorme endividamento presente no país; tanto para o mundo corporativo como para as pessoas físicas. Além disso, os últimos anos nos EUA foram marcados por uma maior concentração de renda, consequente de uma política monetária que contribuiu para uma inflação de ativos privilegiando os mais ricos. No gráfico abaixo, é nítido que, a partir da grande crise financeira de 2008, a parcela mais favorecida ficou muito mais rica, enquanto os 50% mais pobres viram seu percentual do patrimônio total do país decrescer de 3,6% (1990) para 1,3% (2019).

Observe também como os salários dos executivos cresceram em relação ao salário médio dos trabalhadores nos últimos anos. Algo que é, no mínimo, sintomático de uma economia que deverá sofrer alguns ajustes nos próximos anos.

O EUA é um país que não só enfrenta desafios demográficos mas também convive com o maior gasto per capita global na área de saúde. Curiosamente, o país se mostra ineficiente neste quesito quando comparado a outros países desenvolvidos. O gráfico abaixo nos mostra que o EUA gasta aproximadamente US$9.000 por pessoa; bem mais do que o gasto médio dos outros países. Além disso, todo esse gasto não vem se traduzindo em maiores níveis de expectativa de vida. 

Sendo assim, a combinação de um maior endividamento, maiores gastos com saúde e educação, e distribuição de renda mais desfavorável, contribuem para um cenário mais desafiador no que diz respeito a sustentação dos níveis de lucratividade obtidos nos últimos anos. 

Um dos fatores mais importantes para o crescimento econômico está ligado aos gastos com construção civil. Observe através do gráfico abaixo como, apesar das taxas de juros de longo prazo estarem nas mínimas históricas, a demanda por imóveis (linha verde) simplesmente não consegue atingir os patamares registrados no início da década passada. Tudo isso é um sinal de que os novos compradores (os millennials) estão inseguros e sem o mesmo poder de compra de seus pais. 

Assim, não é de surpreender o fato de que cresce a procura por aluguéis. O gráfico abaixo é ilustrativo deste fenômeno mostrando o declínio das taxas de vacância. 


Expansão de múltiplos (valuation)

Poderia aqui fazer uso de gráficos ilustrando diversos tipos de múltiplos de relação preço/lucro. Entretanto, argumento aqui que, mais importante do que esta métrica, é o fato de que aqueles que podem investir em ações já estão comprados! O gráfico abaixo nos mostra o percentual do patrimônio das famílias americanas que já está alocado no mercado de ações. Observe que os patamares atuais se aproximam daquele registrado em março do ano 2000 -- um período que ficou conhecido como a bolha do Nasdaq.


Por tudo isso, sugiro que os investidores tenham em mente que estratégias que se mostraram rentáveis no passado, como "buy & hold", deverão registrar retornos inferiores nos próximos anos. Assim, o investidor deve considerar estratégias táticas e se preparar para um mundo onde os retornos serão relativamente menores.

Marink Martins

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