Desafios e frustrações deste início de 2020

09/01/2020

Sempre que ouço um comentário ou outro a respeito de quão difícil está atuar no mercado de ações, classifico-o como papo furado, pois são considerados raríssimos os momentos de tranquilidade presentes nesta atividade que busca, através da razão, decifrar algo que, no curtíssimo prazo, tende a ser aleatório. Nesta colocação chamo sua atenção ao horizonte de tempo delineado - curtíssimo prazo. Estabelecer correlações e causalidades neste horizonte de tempo é algo fadado a deixar analistas com uma boa dose de frustração.

Caminhamos para o sétimo pregão do ano e, por incrível que pareça, o mercado já conseguiu frustrar alguns participantes. O gráfico abaixo - contendo o comportamento dos últimos 10 dias do IBOV, S&P 500, Apple e Petróleo -- nos ajuda a compreender parte desta frustração.

No gráfico acima temos o preço do petróleo (linha preta) comparado ao preço da ação da Apple (linha azul), do IBOV (linha vermelha) e do S&P 500 (linha marron).

Podemos começar pelo preço do petróleo que, em menos de 6 meses, já provou ao mundo que não consegue sustentar uma alta sequer. Tivemos aquela alta registrada nos ataques as instalações sauditas há 3 meses. Agora foi esta associada ao assassinato do general iraniano. Em ambas as situações, o preço do petróleo recuou rapidamente frustrando aqueles que clamam por um preço do barril na casa dos oitenta dólares. 

Curiosamente, isso ocorre ao mesmo tempo em que o preço das ações da empresa de carros elétricos - TESLA - não para de subir. Com esta última pernada de alta, a empresa americana já é a terceira produtora mais valiosa do mundo, atrás somente da Toyota e da VW. O valor de mercado da TESLA já se aproxima do valor de mercado somado da Ford e da GM. Será que esse movimento faz sentido? Será que esse movimento é exagerado?

Tudo isso só o tempo irá dizer. Uma prova do ceticismo do mercado é que o volume vendido a descoberto em ações da TESLA equivale a algo próximo a 20% do "free float". É possível, e até provável, que boa parte da alta exponencial vista nas últimas semanas seja proveniente dos próprios vendidos tentando se zerar. Mas, colocando estas questões de mercado de lado, não há dúvida que temos uma questão estrutural que vem afetando não só o mercado automobilístico, mas também, por consequência, o setor petrolífero. Observe o gráfico abaixo que ilustra a dinâmica associada ao mercado automobilístico alemão; um dos mais importantes do mundo.

No gráfico acima vemos o declínio na produção de automóveis alemães (linha azul). 

Conforme ilustrado acima, a queda na produção de automóveis alemães é certamente preocupante. Um outro tema que chama atenção ao compararmos tal declínio com o aumento da produção dos carros da TESLA é a dependência tecnológica do último.

Quem já pode entrar em um carro da TESLA sabe que seu painel é composto somente de um mega computador que deverá se beneficiar bastante do lançamento em massa da tecnologia 5G - aquela que será 10x mais rápida que o 4G e que será destinada a IoT (internet das coisas), carros elétricos autônomos, e outros.

E não é de se surpreender que a mesma tecnologia 5G é considerada hoje o grande catalisador para justificar o salto no preço das ações da Apple que, recentemente, rompeu o patamar de US$300 e alçou a empresa para uma capitalização de mercado de US$1,35 trilhões. A empresa negocia a um múltiplo de 6,5x a sua receita anual e 26x seu lucro. Neste sentido, não se pode ignorar o fato de que a empresa vem recomprando suas ações em um ritmo surpreendente de US$20 bilhões por trimestre.

Em suma, e de volta ao gráfico inicial, o que é frustrante para alguns analistas é que, apesar do contínuo otimismo visto com relação as principais empresas de tecnologia dos EUA, o ímpeto altista dos mercados emergentes - aqui incluindo o brasileiro - permanece tímido.

Hoje mesmo, em relatório especial sobre mercados emergentes, a casa de pesquisa Gavekal não se mostra entusiasmada com as perspectivas para mercados emergentes. Diz ela que faltam catalisadores para a Índia e para o Brasil, e conclui dizendo que é melhor "surfar" o "carry trade" associada as moedas do México, Filipinas e da Indonésia, do que investir em ações na região.

Por quanto tempo irá durar este otimismo direcionado as corporações americanas é uma das grandes questões do momento. Muito já foi escrito sobre a onda de recompra de ações e sobre o aumento no endividamento corporativo americano. Trata-se de um problema que, em algum momento, irá provocar ajustes sérios na economia. É sempre interessante observar o gráfico abaixo ilustrando o fato de que o endividamento corporativo registra novas máximas, superando o patamar registrado no início da década anterior.

No gráfico acima vemos o endividamento corporativo americano (linha vermelha) em comparação com o endividamento das famílias (linha azul).

O mundo vive a festa da engenharia financeira de forma análoga àquela ilustrada no filme "The Big Short" baseada no livro de mesmo nome escrito pelo autor Michael Lewis. Considero que o meu trabalho aqui não é nem ser um "contrarian", nem ser um "trend follower", mas sim buscar manter o leitor informado das vulnerabilidades associadas aos momentos de mercado. Embora este ciclo de engenharia financeira pareça não ter fim, não devemos, de forma alguma, acreditar que é possível superar todos os problemas econômicos com injeção de liquidez. 

Você pode tentar seguir a tendência do mercado, fazer long/short, comprar small caps, ou mesmo gerar renda através das opções. Qualquer que seja sua estratégia, não se esqueça que os mercados estão vulneráveis a um salto na volatilidade que se mantém em níveis muitos baixos. Os catalisadores poderão ser políticos ou econômicos. Um ou outro, em breve, mostrará a cara. 

Marink Martins

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