Em busca de um porto seguro

29/10/2020

Crescemos em um mundo em que não havia tanta dificuldade para discernirmos um investimento seguro de um mais arriscado.

Os mais conservadores optavam pela caderneta de poupança e imóveis. Outros mais sofisticados optavam por investimentos em dólares; especificamente, títulos do tesouro americano.

Assim, cabia ao gestor de recursos sair em busca de oportunidades, pois a renda fixa era definitivamente um instrumento de defesa muito eficiente em uma carteira devidamente diversificada.

No entanto, o mundo de hoje mudou de forma rápida e significativa. A pandemia veio para acelerar uma tendência que já se fazia presente nos anos anteriores. E quais seriam tais tendências? Bem, aqui vale destacar duas delas: o processo de digitalização e o uso de princípios associados a teoria monetária moderna (MMT).

Dentre as inúmeras contribuições do processo digitalização, temos hoje um ferramental que possibilita o fenômeno "Fique em Casa" (do inglês "Stay-at-home"). Isso vem afetando drasticamente a dinâmica de grandes metrópoles como Nova York e São Francisco nos EUA. As pessoas fogem de centros urbanos onde os aluguéis são caríssimos e se mudam para cidades mais distantes e mais baratas.

Com isso, aquele imóvel de um quarto, que sempre representou uma espécie de porto seguro, já não traz o mesmo grau de previsibilidade.

Pelas mesmas razões, lojas comerciais - sejam elas em shoppings ou nas ruas - também sofrem. E o que dizer do apelo de uma sala comercial?

Neste sentido, é importante destacar que, na crise de 2008/2009, 25% da inadimplência afetando dos bancos estava relacionado a financiamento de imóveis comerciais.

Assim, temos o fenômeno da digitalização gerando oportunidades e insegurança em segmentos que, no passado, eram considerados seguros.

Mais desconcertante para o investidor é a chegada do MMT; filosofia popularizada pelos economistas Warren Mosler e Stephanie Kelton.

Com os governos extremamente endividados, o discurso da economista Stephanie Kelton de que governos não devem ser tratados como uma empresa e, por esta razão, não enfrentam as limitações associadas a endividamentos corporativos, é algo que vem sendo muito bem recebido por governantes.

Neste ano de pandemia, o FED já expandiu seus ativos em aproximadamente 3 trilhões de dólares e, até o momento, não há sinais de inflação.

Os defensores do MMT argumentam que - em momentos de elevada ociosidade na economia - os governos devem imprimir dinheiro e, assim, atenuar os impactos de uma recessão econômica.

Como consequência desta nova filosofia, temos hoje um mercado onde os agentes vêm perdendo a confiança em instrumentos de renda fixa como uma defesa para uma determinada carteira de investimentos. Com a impressão de dinheiro liberada, os bancos centrais se tornam os principais compradores de títulos públicos, contribuindo assim para a percepção de que as taxas de juros estão sendo mantidas artificialmente baixas. Temos o que é conhecido como repressão financeira.

A repressão financeira já está em curso há tempos. Ou será que as pessoas creem que a Itália, de fato, merece pagar juros mais baixos do que os EUA? Isso só ocorre pois o BCE se tornou o comprador de última instância dos títulos italianos.

No passado, tal repressão financeira resultou em processos inflacionários. Será que o mesmo poderá acontecer desta vez?

A resposta é certamente SIM. No entanto, os sinais inflacionários tendem a ser mais lentos em economias desenvolvidas que apresentam elevados níveis de ociosidade.

Mesmo assim, é notória a busca dos agentes por ativos que irão, ao menos, preservar o poder de compra. O ouro, a prata, e, até mesmo, as cryptomoedas, se destacam como alternativas. Para alguns uma defesa. Para outros, mera especulação.

As próprias ações de empresas do setor de tecnologia também se beneficiam deste fenômeno de busca por alternativas de proteção. Basta notarmos que muitas destas ações negociam a múltiplos de P/L bem mais elevados do que no passado.

Tanto o processo de digitalização como a chegada do MMT são processos inevitáveis. A digitalização é justificada por seus benefícios. Já a vinda do MMT é resultante de um sistema democrático onde políticos só se elegem prometendo aumento de gastos em infraestrutura.

E como proteger sua carteira neste mundo digital e fiscalmente indisciplinado? Faça isso através de ações. No entanto, invista em ações de empresas defensivas. Volte a olhar para múltiplos de valor patrimonial. Opte por ações de empresas que sejam consideradas "asset heavy". Tome bastante cuidado com ativos intangíveis. Fuja do oba-oba. Evite qualquer empresa cujo P/L seja superior a 50x, a menos que você realmente conheça a empresa e sua diretoria. E, mais importante, seguindo estes mesmos parâmetros, comece a investir em ativos asiáticos! Neste novo mundo, todos os caminhos nos levam a Pequim.

Marink Martins

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