Escapando de enrascadas no mercado (Parte 2)

11/07/2019

Na primeira parte deste comentário deixei o leitor em suspense. Fiquei devendo as razões que levam Louis-Vincent Gave a duvidar de uma continuidade deste ciclo de "outperformance" que fez com que as empresas americanas de tecnologia se tornassem trilionárias e passassem a representar 56% da carteira MSCI global.

Vamos aos seus argumentos:

  • Uma das razões que explica o enorme "giro" na lista das 10 maiores empresas da década está relacionada ao fato de que tamanho e crescimento são fatores que normalmente não caminham juntos. Ao olhar a tabela, constata-se que somente Exxon e Microsoft conseguiram transitar no topo por um período mais longo. Mesmo assim, a Exxon precisou adquirir a Mobil. Quanto maior é a empresa, mais burocrática ela tende a ser, correndo menos riscos, e crescendo em ritmos mais lentos. Como dizem por aí: elefantes e hipopótamos tendem a ser resilientes, mas são lentos; bem diferentes dos leopardos.
  • Ao tornarem-se gigantes elas normalmente atraem uma maior intervenção regulatória; seja por inveja por parte dos governantes, ou por questões de natureza competitiva. Neste sentido, já sabemos que o Departamento de Justiça dos EUA já está investigando a Apple e a Google, enquanto o FTC já investiga a Facebook e a Amazon. Além disso, há investigações em andamento por parte da Comissão Europeia. Um outro argumento nesta esfera refere-se ao fato de que o cerne da guerra comercial entre os EUA e a China é justamente o setor tecnológico. Isso significa dizer que existe espaço para atitudes irracionais; em particular, subsídios chineses voltados a fazer com que suas empresas avancem e superem as americanas.
  • A expectativa predominante é de que o crescimento econômico global será positivo, porém relativamente fraco. Uma das razões para a recente apreciação das ações no Top 10 tem a ver com o fato de que investidores projetem para o futuro o mesmo ritmo de crescimento que aquele registrado no passado. Isso foi marcante em todas as outras décadas. Além disso, na medida em que o mundo transita da globalização para um mais fragmentado, o ambiente macroeconômico tende a se transformar rapidamente e a se tornar menos auspicioso para o crescimento econômico.

Após listar seus argumentos, o Louis avança em sua análise e nos fala sobre o que é necessário para que um mercado altista se transforme em uma espécie de "bolha". Diz ele que uma condição sine qua non para a ocorrência deste evento é que haja uma "ideia em comum" compartilhada por um enorme grupo de investidores.

Sabe-se que investidores são movidos por dois sentimentos: ganância e medo. O primeiro pode ocorrer de duas formas; já o segundo normalmente tende a ser uniforme. Vejamos os tipos de "bolhas" discutidos pelo estrategista:

  • Ganância regida por um processo de expansão territorial:

Alguns exemplos incluem a bolha do Mar do Sul, da Mississippi Company, do Japão, da China, etc.). A Gavekal classifica este tipo de bolha como uma "bolha ricardiana" (em homenagem ao economista David Ricardo e seu princípio de vantagens comparativas). Diz o Louis que neste tipo de bolha, os "value investors" tendem a ir muito bem.

"value investors" são investidores que compram ativos "baratos" do ponto de vista fundamentalista. Por exemplo, aqueles negociados com P/L baixo, ou com o preço descontado com relação ao valor presente dos seus fluxos de caixa projetados.

  • Ganância regida por novas tecnologias:

Neste caso, projetos transformacionais. Como exemplos podemos citar a criação das ferrovias, do rádio, da internet, dos smartphones, big data, inteligência artificial, etc). A Gavekal classifica este tipo de bolha como uma "bolha Schumpeteriana" (em homenagem ao economista Schumpeter e seu princípio de destruição criativa). Esse tipo de bolha normalmente resulta em grandes avanços para a sociedade. Neste tipo de bolha quem se dá bem são os "growth investors"!

"growth investors" são investidores que compram ativos que registram forte crescimento de receita, independente de seu preço e múltiplos de lucro. Bons exemplos são Amazon, Netflix, Nvidia e outros. Aqui no Brasil, as ações da Magazine Luiza se aproximam bem do conceito. Ações bem caras que representam apostas em projetos transformacionais.

  • Bolhas resultantes de um medo de que não haverá o suficiente para todos:

Este tipo de bolha é classificada como bolha malthusiana. (em homenagem a Thomas Malthus e sua teoria). Esta é uma espécie de bolha comum no mercado de commodities. A alta no preço do petróleo e no preço do minério de ferro representam bem este tipo de bolha malthusiana. Aqueles que detém as commodities são os que se destacam neste ambiente.

Conclusão:

Louis acredita que transitamos por uma espécie de bolha schumpeteriana. Há um consenso de que inovações nos impulsionarão para um novo mundo onde tudo será bem conveniente. Entretanto, a história nos mostra que estas crenças normalmente são frustrantes.

Sendo assim é mais provável que as empresas que estarão no top 10 de 2030 estejam mais alinhadas com a expansão do capitalismo em novos territórios. Louis aponta para os mercados emergentes e menciona a Índia, a América Latina, a China, e o sul da Ásia. Uma outra possibilidade é de que haja medo de alguma escassez. Embora seja difícil prever, não é tão difícil prever que haverá mudanças, pois isso sempre ocorre como podemos ver novamente na tabela acima.

Ele conclui nos lembrando que os Maias acreditavam que a história consistia de ciclos recorrentes de 52 anos; uma ideia que ele argumenta estar alinhada com a noção de que as pessoas evitam cometer os erros de seus pais, mas acabam cometendo os mesmos erros dos avós. Assim, diz ele que não devemos nos surpreender se em 2030 o foco dos mercados voltar a ser a mesma crença dominante no início dos anos 80 - aquela que dizia que a democracia sempre leva a inflação!

Marink Martins

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