Gavekal Summer Session, Q&A

09/08/2021

Ao longo da última semana, a casa de pesquisa liderada por Louis-Vincent Gave promoveu um webinar que contou com a presença dos principais sócios: Arthur Kroeber, Charles Gave e Anatole Kaletsky.

Abaixo, apresento uma série de questões que vem afetando o cenário macroeconômico seguidas de um comentário baseado no que melhor ocorreu no evento descrito acima.

Tema 1: Sobre o "Crackdown" regulatório chinês

Será que a economia chinesa mudou radicalmente de direção?

Será que este mais recente "crackdown" resultará em uma onda de deflação global?

Duas perguntas pertinentes em meio às incertezas que rondam a economia chinesa. Na verdade, o que estamos observando, de acordo com Louis, é algo coerente com o objetivo chinês de des-dolarizar sua economia.

Durante muito tempo todos os setores chineses sofreram os efeitos da mão-pesada do estado através de uma maior regulamentação. O setor de internet, entretanto, era uma exceção. Esse setor dominado por gigantes como Alibaba, Tencent, Meituan, e outras, cresceram demais a ponto de representar um risco para a economia.

Na opinião de Arthur Kroeber, essas empresas se tornaram "social utilities" desfrutando de uma renda associada a um status de monopólio natural. Por isso, o choque regulatório se fez necessário. O caso do setor de educação via internet foi um caso a parte que mereceu um choque maior devido a consequências sociais, e até mesmo, demográficas. O alto custo da educação na China vem contribuindo para a queda na taxa de fecundidade no país.

Já quanto à segunda pergunta -- relacionada à possibilidade de deflação -- a resposta é que esta crise não resultou em um movimento compensatório no câmbio, como em outras crises passadas. Sendo assim, a notícia do fim do "crackdown", seguido de um iuane forte, deve ser interpretada como algo positivo para os mercados emergentes como um todo.

Ao contrário do ocorrido durante a crise de 2015/2016, desta vez a moeda chinesa permaneceu forte, em linha com a tese de des-dolarização que já está em curso. 

Mais interessante é que o país passa agora a privilegiar o setor industrial. Podemos ver, através do gráfico abaixo, que as ações de empresas produtoras de "hardware" se recuperaram bastante em relação a empresas "produtoras" de software.

Será que isso poderá se tornar uma tendência global? Se este for o caso, podemos estar vivendo o ápice do ciclo catalisado pelas palavras do capitalista Marc Andressen que, em 2011, disse: "software is eating the world". (Os softwares estão devorando o mundo).

Para finalizar este segmento, a Gavekal nos diz o seguinte: não estamos vivendo o fim do empreendedorismo chinês. O que estamos observando é a implementação de limites de atuação para as gigantes de software que, simplesmente, se tornaram perigosas demais devido à influência social.

Do ponto de vista de investimentos: venho aqui exclamando que o ETF XINA11 representa uma ótima oportunidade de aproveitar um possível e provável repique no preço das ações chinesas.

Tema 2: Sobre a precificação dos títulos de 10 anos do tesouro americano?

O economista francês Maurice Allais nos chamou atenção a respeito de uma regra de ouro que diz o seguinte: o rendimento do título de 10 anos de um país eventualmente converge para a taxa de crescimento nominal do PIB do país em questão.

Observe no gráfico acima a tremenda divergência entre o rendimento dos títulos de 10 anos do tesouro dos EUA (linha vermelha) e a taxa crescimento do PIB nominal (linha preta). De acordo com o economista, estas taxas, com o tempo, convergem. 

No caso dos EUA, há, neste momento, uma tremenda divergência entre estes dois indicadores. Há um consenso na Gavekal de que a taxa de 10 anos é manipulada pelo BC. Isso já ocorreu em outros momentos da história. Contudo, sabe-se que, caso a inflação permaneça elevada, é provável que a situação saia do controle e que a taxa de 10 anos suba repentinamente para níveis superiores a 2%. O timing deste evento, entretanto, é tema de uma enorme divergência entre Charles Gave (pessimista com os ativos de risco) e Anatole Kaletsky (otimista com os ativos de risco).

A respeito deste tema é importante mencionar que a inflação medida nos EUA via CPI não leva em consideração o aumento no preço das casas próprias. O custo da moradia é medido através do custo do aluguel. Por isso, muitos esperam que a inflação continue subindo devido ao fato de que os aluguéis tendem a ser ajustados em um ritmo mais lento, com um "atraso" em relação ao aumento no preço dos imóveis.

Para finalizar, abordo um tema que não foi discutido na reunião da Gavekal, mas que é extremamente importante. No fim da semana passada, o senador democrata mais importante do momento -- Joe Manchin -- enviou uma carta para Jerome Powell sugerindo que o FED comece a remover os estímulos econômicos buscando evitar a inflação e o superaquecimento da economia. Curiosamente, os mercados parecem ter ignorado tal evento. Contudo, julgo que ele seja de suma importância.

Tema 3: Sobre a liquidez global

O veterano Charles Gave monitora a liquidez global através do saldo de recursos depositado no FED em nome dos outros bancos centrais. Curiosamente, apesar do enorme déficit em conta corrente registrado pelos EUA, o volume de dólares depositado no FED em nome de terceiros não está subindo. Isso é um certo enigma entre os estrategistas da Gavekal.

No gráfico acima observamos que sempre que houve escassez de dólares no resto do mundo, vivenciamos uma espécie de crise. A exceção foi em 2008, que não foi um problema interno, nos EUA. Nesta crise pandêmica, porém, o FED optou por "monetizar" a dívida americana. 

O fato é que há abundância de dólares dentro dos EUA -- algo que vem contribuindo para a bolha de ativos -- e escassez de dólares fora dos EUA. Será que poderemos ver um problema inflacionário nos EUA ao mesmo tempo em que um evento deflacionário ocorre no resto do mundo?

O principal ponto a respeito deste tema é que algo muito incomum está em curso. Esta divergência entre os preços dos ativos nos EUA e no resto do mundo está em um ponto preocupante.

Tema 4: Sobre o portfolio 60/40

Esse portfolio, consistindo de 60% em ações e 40% em títulos de renda fixa de longo prazo, foi um enorme sucesso desde o início dos anos 80, quando Paul Volcker elevou a taxa de juros nos EUA para combater as pressões inflacionárias.

Todavia, parece ser consenso que é chegada a hora de rever esta estratégia. Muitos acreditam que a renda fixa -- agora extremamente manipulada -- não poderá mais oferecer a proteção em momentos de quedas nos preços das ações. O mais provável é que ações e renda fixa estarão positivamente correlacionadas em uma próxima crise; o que representa uma espécie de risco sistêmico.

Por isso, os estrategistas da Gavekal sugerem que a parte da renda fixa seja composta por ouro e títulos de renda fixa de curto prazo emitidos por países asiáticos. Em destaque, Charles Gave nos chama atenção ao caráter antifrágil exibido pela moeda japonesa.

Tema 5: a visão diferenciada de Anatole Kaletsky

Ao contrário de Louis e Charles, Anatole é a voz mais otimista dentro da casa de pesquisa. Anatole recentemente escreveu sobre a possibilidade de uma "killer wave"; uma espécie de "última pernada" que poderá alçar as ações das empresas de tecnologia a um patamar elevado análogo àquele visto na bolha do Nasdaq em 1999/2000. Sendo assim, dou destaque para algumas observações feitas por Anatole:

1. Estamos em um período de mudança de regime. Aquele período marcante, iniciado por Thatcher e Reagan, se encerrou em 2008. Agora temos uma economia que depende cada vez mais da atuação dos governos.

Kaletsky se identifica como keynesiano, como uma crítica direta a Louis e Charles que, na opinião dele, são monetaristas.

2. Os governos agora são parte da solução dos problemas.

3. A inflação é ascendente, mas há divergências quanto à magnitude. Para Anatole, ela tende a ser menos intensa e mais demorada.

Para Anatole o cenário é extremamente favorável ao mercado acionário. Vale dizer que a Anatole vem acertando a tendência do mercado por assumir uma visão de mercado mais alinhada a "momentum", ao invés de uma visão alinhada a processos de reversão à média.

Ainda que não haja uma visão unificada entre os estrategistas da Gavekal, vale destacar que, nas últimas semanas, observa-se um afunilamento no mercado americano. Para Louis isso é um reflexo de medo no mercado, uma vez que investidores passaram a olhar as ações das Big Techs americanas como uma classe antifrágil.

Finalizo com um comentário MyVOL que busca achar uma convergência entre as diversas visões. Em momentos de "tapering" (redução dos estímulos) ocorridos em 2013, o mercado de ações caiu tanto no momento do anúncio como no momento do início da redução. O fato de que Joe Manchin está clamando por uma postura mais conservadora por parte do FED é, para mim, um sinal muito importante de que tal ajuste monetário está prestes a ser anunciado. Sendo assim, sugiro que os investidores passem a adotar uma estratégia bimodal composta por 70% de ativos defensivos e 30% de ativos com forte potencial de alta. Nesta segunda parte, dou destaque ao XINA11, a PETR4 e a ITUB4.

Marink Martins


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