Sobre a inversão da curva de juros nos EUA

01/04/2019

É fascinante acompanhar o desenvolvimento do mercado de capitais e a rapidez como certos conceitos - alguns um pouco mais técnicos - passam a ser discutidos livremente nas redes sociais. Em particular, vale destacar a tal inversão na curva de juros norte-americana e suas implicações no que diz respeito ao que realmente importa - os seus investimentos!

Primeiramente, deixe eu explicar rapidamente o que vem a ser uma curva de juros e porque ela é importante.

A curva de juros é ilustrada através de um gráfico em um plano cartesiano, onde no eixo vertical temos diversos níveis de taxas de juros e no eixo horizontal temos o tempo - este medido em anos. O que a curva nos mostra é o custo do dinheiro de acordo com o prazo dos títulos emitidos.

Observemos a curva de juros norte-americana. Esta é a curva de juros que ilustra o custo do dinheiro em dólares de acordo com o prazo dos empréstimos. Tais empréstimos são concedidos por diversos investidores - domésticos e estrangeiros - para o Tesouro americano por meio da emissão de títulos conhecidos como treasuries. Os títulos de prazos curtos (de zero a 1 ano) são denominados de treasury bills, os de prazos intermediários (de 1 ano a 10 anos são denominados treasury notes, e os de prazos mais longos (de 10 anos para cima) são denominados treasury bonds.

Como você já deve ter lido, tal curva se inverteu! E o que isso significa? Eu explico. Antes disso veja o gráfico abaixo:

Note que a curva em vermelho representa a curva de um ano atrás. Tal curva tinha uma inclinação positiva considerada saudável e condizente com crescimento econômico. Sabe por que? Porque em ciclos expansionistas empresta-se aos governos a uma taxa mais baixa no curto prazo e a uma taxa mais elevada no longo prazo. As taxas associadas a prazos curtos normalmente se situam ligeiramente acima da taxa de inflação de forma a gerar um juro real positivo atrativo para o investidor. Atualmente, o juro real - aquele que desconta a inflação - está por volta de 0,7% ao ano nos EUA. 

Com a economia se expandindo, nada mais natural do que esperar um eventual repique inflacionário que forçará o banco central a elevar a taxa de juros de curto prazo em algum momento futuro. Daí a inclinação positiva. Ninguém quer emprestar por um prazo longo a taxas baixas por temer ficar preso a uma taxa que potencialmente poderá conter um juro real negativo.

Sabe quem se beneficia bastante em um cenário de crescimento econômico com uma curva de inclinação positiva como esta ilustrada pela linha vermelha? Os bancos.

Os bancos normalmente tomam os recursos de seus correntistas pagando zero (dinheiro parado na conta) ou uma taxa bem pequena e investem tais recursos em projetos longos ou, também, na compra de títulos longos emitidos pelo tesouro americano.

Por tudo isso, a atividade bancária é uma que se beneficia da manutenção do status quo. Quando tudo está calmo os bancos ganham bastante dinheiro. Em momentos de maior volatilidade ou recessão, a vida dos bancos já não é tão fácil assim. (Com exceção dos bancos brasileiros que vivem em um mundo à parte. Mas isso um dia acaba!)

Agora vamos falar da linha azul que ilustra a curva de juros atual e que, como podemos observar, apresenta uma inversão no segmento de prazo entre zero e dez anos.

A razão para tal fenômeno está associada ao fato de que os agentes, temendo uma recessão, passaram a acreditar e a apostar que autoridade monetária americana - o FED - irá reduzir a taxa de juros em algum momento não muito distante. Com isso elevam a demanda por tais títulos de forma a provocar uma redução em seus rendimentos.

Aqui é importante que você tenha uma boa compreensão a respeito da relação inversa entre o preço e o rendimento de um título de renda fixa. Observe a imagem abaixo.

Para que você entenda de vez este que é um dos conceitos mais importantes na sua formação como um investidor, vou citar um exemplo fictício:

Imagine que você emprestou US$1m para o governo turco em troca de um título negociável com rendimento de 10% e prazo de 3 anos.

Agora, imagine que, com o resultado de eleições recentes, a percepção de risco relacionada a Turquia tenha se elevado, de forma que novos investidores  estariam dispostos a emprestar para o governo turco cobrando um rendimento de 15% para um título similar a aquele que você adquiriu.

O que acontecerá com os seus títulos que tem como rendimento fixo a taxa de 10%?

Se você esperar por um prazo de 3 anos, receberá o seu dinheiro de volta, mais 3 pagamentos anuais de 10% ao ano. Agora, caso você, no curto prazo, resolva sair deste investimento, você terá que vender tais títulos com um desconto.

Afinal, quem vai querer comprar um título que renda 10% ao ano, se no mercado há títulos similares que agora rendem 15% ao ano.

O preço do seu título deverá cair (negociar com um desconto) de forma que seu rendimento seja idêntico aqueles negociados no mercado secundário.

É justamente por isso que o nome renda fixa é algo um tanto ilusório para prazos mais longos. Mesmo que seja de seu conhecimento prévio o rendimento associado ao título, o rendimento real (aquele descontado da inflação) é uma incógnita. Quanto maior for o prazo, maior é a incerteza.

E assim, concluo esta jornada sobre a inversão da curva de juros norte-americana reiterando uma colocação que é muito pertinente:

Observe que enquanto toda recessão nos EUA foi precedida por uma inversão da curva de juros, nem toda inversão da curva de juros provocou uma recessão. 

Há razões para acreditar que esta inversão na curva de juros trata-se do que  cientistas chamam de falso positivo. E é sobre isso que quero discutir nos próximos comentários que irei fazer aqui no MyVOL. 

Marink Martins

www.myvol.com.br