Não chegaremos ao tão aguardado futuro sem antes passarmos pelos próximos dias

01/04/2020

Penso na frase acima sempre quando ouço gestores de recursos buscando convencer cotistas de que uma recessão, por mais severa que seja, não deverá alterar a rota de crescimento de uma determinada empresa. Um dia desses, na CNBC, um gestor proclamou: se uma empresa negocia com uma relação de preço/lucro de 16x, não será 1/16 desta trajetória que irá impedir seu destino a glória!

Tal proclamação, ainda que poética, traz consigo uma premissa perigosa, capaz de ludibriar muitos investidores famintos por uma oportunidade de ganhos expressivos nas bolsas de valores.

Pense aqui comigo. O mundo não só para, mas passa semanas discutindo a respeito do lucro por ação trimestral esperado para uma determinada empresa. Estariam todos os agentes envolvidos nesta tarefa dedicados a um exercício banal? Creio que não. O futuro não só é uma composição, mas também, uma condicionalidade.

Um bom exemplo do que busco argumentar pode ser visto na precificação de diversos contratos futuros. Pense nos contratos futuros do Ibovespa. Quem pensa que o preço do contrato futuro reflete a expectativa de onde estará o índice em sua data de vencimento comete um equívoco. O preço de tal contrato toma como base o seu preço atual ("preço spot") e embute em cima dele uma taxa de juros associada ao custo do dinheiro levando em consideração o custo de carregamento de todas as ações contidas no IBOV. Tudo que temos é o "hoje", o "agora"!

Ah, mas ontem o futuro do IBOV fechou no "after-market" bem abaixo do IBOV spot!!?? Sim, durante tal período não há como o arbitrador tirar proveito de tal distorção. Por isso, o futuro, de fato, reflete as incertezas e expectativas das próximas horas, próximos dias.

Ah, mas o futuro do S&P 500 sempre negocia abaixo do preço SPOT do S&P 500!!?? Bem, isso não é verdade. O que ocorre por lá é que, ao contrário do IBOV que é um índice de retorno total, o S&P 500 não promove os ajustes associados a dividendos.

Agora voltando a tese central discutida aqui, não há nada de errado em tentar projetar o futuro. Aqueles que se aventuram neste desafio devem o fazer cientes de que cada decisão tomada no presente tem o poder de afetar, mesmo que de forma inexpressiva, o que está por vir. Contudo, o maior problema que busco aqui endereçar é que tal conceito não só é obvio, mas é de conhecimento de todos os praticantes no mercado. Sendo assim, a questão que busco explorar deixa de ser filosófica e passa a ser uma relacionada a boa-fé daqueles que falam de um futuro como se predestinado fosse.

Marink Martins  

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