O ciclo de vida de um ativo listado em bolsa

01/04/2021

Nem todo ativo listado em bolsa segue o mesmo ciclo de vida. Dito isso, considere o ciclo descrito abaixo em que um ativo inicialmente enfrenta a desconfiança dos agentes ("Contrarian") e que, aos poucos, vai ganhando confiança, na medida em que tal ativo comece a gerar lucros sustentáveis ("Income Producing").

Um bom exemplo é a Ambev. Em um passado distante, as ações da Brahma e da Antártica já foram consideradas apostas ousadas no mercado ("Contrarians"). A formação da holding Ambev foi certamente um marco e contribuiu para que a percepção do mercado com relação a empresa mudasse bastante. No começo da década passada, após um longo ciclo de expansão doméstica e internacional, a Ambev viveu seus melhores momentos.

Ao gerar muito caixa consistentemente, a empresa que foi uma espécie de "growth stock" durante a era Lula/Dilma, atingiu um status de antifragilidade que durou alguns anos. 

Contudo, de forma cíclica, o sucesso da empresa trouxe a concorrência e o surgimento de um novo mercado - o de cervejas artesanais. Isso, combinado com uma forte recessão doméstica, contribuíram para que a Ambev deixasse o posto de queridinha (antifragil) e fosse enviada ao purgatório. Algo similar ocorreu com o preço das ações da Cielo, da BR Foods, e algumas outras empresas domésticas.

Dito isso, aproveito o ciclo apresentado na ilustração acima para chamar atenção de um atributo que muitas vezes não é tão discutido. Refiro-me ao fato de que um ativo, durante sua jornada de "CONTRARIAN" ao PURGATÓRIO, muitas vezes passa a habitar a carteira de um número elevado de investidores, sejam eles fundos, pessoas físicas ou bancos. Este fenômeno atende pelo nome, em inglês, de "widely held". 

Nem todo ativo antifrágil conta com a mesma popularidade; alguns são mais "pop" do que outros. Existem alguns em que a passagem pelo purgatório tende a ser mais longa, não só pela percepção de baixo crescimento na lucratividade, mas também pelo fato de que tal passagem mantém o "comprador marginal" a distância. Afinal, o investidor tende a fazer a seguinte pergunta a si mesmo: para que comprar mais ações desta empresa se já estou abarrotado dela? As ações da Cielo e da Ambev representam bem este fenômeno que busco explorar. 

Ambas foram consideradas queridíssimas pelo mercado; a Ambev no início da década passada, a Cielo um pouco depois. Ambas continuam exibindo um alto nível de lucratividade, embora no caso da Cielo o declínio na lucratividade tenha sido um tanto radical. 

Um ótimo exemplo de uma ação "widely held" pode ser visto no comportamento do preço das ações da Microsoft durante o período entre 2002 e 2010. O preço da ação fez uma máxima no ano 2000, negociando com um múltiplo super esticado de quase 80x lucro. Todavia, mesmo com receita e lucratividade crescente nos anos subsequentes -- como podemos ver nos gráficos abaixo -- o preço da ação andou de lado por boa parte daquela década.

Pode-se dizer que, durante a primeira década do milênio, as ações da Microsoft desceram ao purgatório e por lá ficaram por um longo período. Duas explicações se destacam: o fato dela ter atingido o status de "widely held" e, pelo fato, de que o foco dos investidores migrou dos EUA para o resto do mundo; em particular para os países produtores de commodities. 

Nos últimos anos, o purgatório no mercado acionário norte-americano era frequentado por ações de empresas do setor petrolífero e do setor bancário. 

Algumas empresas ressurgem das cinzas e percorrem todo o ciclo descrito inicialmente durante algumas vezes em sua jornada. Outras seguem ciclos distintos. O meu objetivo aqui é buscar chamar atenção para uma das razões que pode justificar discrepâncias em que duas empresas de um determinado índice, com lucros anuais parecidos, exibem capitalizações de mercado bem distintas.

Em 2020 a Cielo lucrou aproximadamente 500 milhões reais e hoje conta com um valor de mercado próximo a 10 bilhões de reais. Já a Lojas Americanas lucrou 315 milhões e conta com um valor de mercado de 42 bilhões. Embora  a percepção de crescimento seja o principal fator de explicação desta discrepância, não devemos ignorar, de forma alguma,  o fator "widely held". 


Marink Martins


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