O dia em que foi proibido "shortear" ações de bancos

13/03/2019

Em um ato de desespero, no dia 19 de setembro de 2008 - durante a semana marcada pelo pedido de concordata do Banco Lehman Brothers - a SEC comunicou ao mercado o que ficou conhecido como temporary short-selling ban on stocks of financial institutions (uma proibição temporária para vendas a descoberto de ações de instituições financeiras).

Inicialmente, a regra abrangia ações de 799 empresas, mas logo em seguida a lista cresceu, incluindo ações de empresas como GE, GM, e outras. A reação inicial foi uma mistura de euforia e pavor, dependendo do posicionamento dos agentes nos mercados. 

Eu, que na época era um trader bastante ativo no mercado de opções de Petrobras, vivi uma experiência apavorante pois passara a semana inteira vendendo ações e opções em uma tentativa de manter o delta da minha operação próximo da neutralidade em uma mercado em franca tendência de queda. 

Naquela quinta-feira, entretanto, por alguns minutos no início do dia, parecia que a SEC conseguiria reverter um processo destrutivo que afligia os mercados. Os mercados explodiram para cima e rapidamente os futuros atingiram seus limites de alta. Por aqui, o índice à vista (IBOV) subia muito mais do que o índice futuro pois enquanto o primeiro estava livre para voar, o segundo convivia com limites de alta comuns a este tipo de mercado. 

Contudo, conforme as horas passavam ficava claro que a perseguição dos reguladores aos "short-sellers" nada mais era do que uma tentativa de assassinar o mensageiro ao invés de combater as causas reais que afetavam os mercados. 

Já na sexta-feira - dia seguinte a tal proibição - os mercados retomaram o ciclo de queda. Após algumas semanas, o índice S&P 500 já registrava 23% de queda em comparação a data da proibição da SEC! 

Será que a decisão da SEC contribuiu para intensificar a tendência de queda?

Não tenho como responder a esta pergunta, e afirmo aqui que tal resposta não é relevante para o que busco transmitir neste comentário.

O que vale destacar é que a interferência do regulador provocou enorme distorções. Impossibilitados de vender ações a descoberto, diversos hedge funds tiveram que se desfazer de suas ações devido a ausência de hedge

Mais importante, os spreads entre compradores e vendedores aumentaram de forma significativa (42%) durante todo o período em que tal proibição esteve vigente. 

A razão pela qual trago este assunto à tona após 10 anos de sua existência é para chamar a atenção do leitor para futuras interferências por parte de diferentes instituições reguladoras. 

Caso você tenha lido o meu comentário onde faço uma espécie de Raio X do endividamento do consumidor americano, você viu que a análise aponta para o fato de que a economia americana está extremamente dependente do comportamento do mercado acionário; uma situação inusitada e preocupante! 

Dito isso, temos nos últimos dois meses uma performance aparentemente encorajadora para os principais índices globais. Só o índice S&P 500 já subiu mais de 10% no ano, frustrando a expectativa de todos aqueles que afirmam que a rentabilidade anual deste aclamado índice para os próximos 10 anos deverá ser bem inferior a sua média histórica. Mas, o ano está só começando. 

Poucos falam que a China injetou estímulos maciços em sua economia durante o mês de janeiro. Algo próximo a 5% de seu PIB.

Com isso, um dado muito importante por lá - a taxa de expansão do crédito na economia - voltou a crescer. Aquele programa de desalavancagem - tema dominante em 2018 - foi interrompido pois o número de pedidos de falência estava assustador e já ameaçava contaminar o setor de construção civil que, como sabemos, é um dos pilares de sustentabilidade da economia chinesa. 

De forma análoga, a Europa fez o mesmo ao voltar com seus empréstimos bancários a custos baixos - os TLTROs. 

Por tudo isso, devemos ter em mente que temos uma alta nos mercados que é fruto de canetadas, de mudanças regulatórias, de intervencionismo.

Observem o gráfico abaixo ilustrando o desempenho, desde o início do ano, do índice S&P 500, do ETF de momentum norte-americano (MTUM), do ETF de tecnologia chinesa (KWEB) e do ETF das A-shares chinesas (KBA). 

Pausa para um comercial: Todos estes ativos já fizeram parte da carteira Global Pass que eu gerencio pela Inversa Publicações e muito contribuíram para o bom desempenho desta que acumula, desde o seu lançamento, uma vantagem de 15% em cima do índice S&P 500.

Note que os ativos chineses, que tanto sofreram ao longo de 2018, foram os primeiros a se recuperar, com destaque para o KWEB que tem a Tencent  e a Alibaba como empresas de maior peso. Pudera! Com tamanha injeção de liquidez, o comportamento não poderia ser outro. 

Também curioso, é o fato de que, apesar do bull market dominante nos últimos dois meses, o ETF associado a momentum nos EUA (MTUM) teve um desempenho inferior ao índice S&P 500. Isso não é comum em mercados de alta. Observamos, neste período em questão, uma preferência por ações consideradas defensivas como as do setor industrial, do imobiliário e das utilities. Já não se fala tanto das empresas de um trilhão de dólares!!! 

Finalizo este longo texto dizendo o seguinte: dinheiro é dinheiro, seja este oriundo do crescimento da lucratividade de empresas, seja ele oriundo de decisões dos BCs. Se você o ganhou, parabéns! Agora se quer preservá-lo e fazer com que ele cresça, saiba que atividades intervencionistas normalmente são seguidas de eventuais spikes de volatilidade.

Nota-se que o paciente (os mercados) está, aos poucos, desenvolvendo uma certa resistência ao remédio (estímulos "top-down" de diversas formas). É bom que fiquemos de olho, com um plano de contingência atualizado!

Marink Martins

 



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