O FMI publicou um relatório sobre a saúde do sistema bancário chinês. As observações são preocupantes!

07/12/2017

Quem me acompanha por aqui sabe que a crise de 2008, "oficialmente" iniciada em agosto de 2007, foi um período que teve um enorme impacto na minha vida, nos meus negócios, resultando em uma nova forma de agir; uma na qual busco implementar estratégias com características cada vez mais antifrágeis. Não só vivi tal período com enorme intensidade, acompanhando os mercados a cada minuto, mas também dediquei meses de leitura para entender os meandros desta crise cujas consequências ainda hoje impactam os mercados.

A crise se tornou famosa, foi para os cinemas, e pôde ser compreendida de forma lúdica através de filmes como A Grande Aposta("The Big Short"), baseado na excelente história contada por Michael Lewis, e outros como o drama O Dia Antes do Fim ("Margin Call"), um dos meus favoritos quando o tema é a vida nos mercados. Agora, para entender como se chegou lá, o melhor caminho é ir direto ao livro de um ex-funcionário público de carreira que chegou a posição de Secretário do Tesouro Americano - Stress Test, escrito por Timothy Geithner. As tensões entre Geithner, meses antes de assumir como Secretário do Tesouro, e Sheila Bair, presidente do fundo garantidor de crédito americano (FDIC), para definir se os credores dos bancos problemáticos seriam ou não penalizados com "deságios" sobre seus títulos de renda fixa estão por trás da enorme tensão vivida pelos mercados durante aquele período.

Trago este assunto hoje pois o FMI acaba de promover uma espécie de TESTE DE STRESS no setor bancário chinês. É possível que os mercados ignorem seu resultado HOJE, mas nele está contido uma lista de vulnerabilidades que poderão impactar os mercados nos próximos meses. Pouco se fala por aqui, mas a magnitude da crise americana poderia ter sido outra se as autoridades regulatórias tivessem dado atenção as falas da advogada americana, Brooksley Born, que na época fora presidente da agencia reguladora dos mercados futuros e de commodities (CFTC). A Sra. Born cansou de avisar que esse negócio de contratos de "balcão", os tais de "ISDAs" que os personagens amigos de Brad Pitt no filme A Grande Aposta tanto lutaram para obter, representavam uma enorme vulnerabilidade ao sistema.

E não é que o FMI, hoje, de madrugada, ao divulgar seu relatório sobre o sistema bancário chinês, desempenha um papel similar a aquele feito pela Sra. Born anos atrás. Nele, a instituição aponta para três grandes riscos:

1. "Rapid build-up of risky credit to keep zombie companies open" - Esta cultura de levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, embora cantada por brasileiros, é na verdade coisa de americano. Por lá você quebra, reestrutura (chapter 7 e chapter 11 da lei de falência), e de fato vai à luta. Na Ásia, a cultura é outra. Pessoas se suicidam diante do fracasso. Por isso, uma grande crítica do relatório do FMI é direcionada ao elevado nível de empréstimos a empresas deficitárias. A instituição complementa dizendo que, ao mesmo tempo em que o crédito a tais empresas cresce, o nível de produtividade das mesmas declina. Algo coerente, e certamente uma receita para uma enorme inadimplência futura.

2. "Shadow Banking - Lack of supervision" - A falta de supervisão no Sistema bancário como causa para uma crise não surpreenderia ninguém. Há anos os críticos ao modelo chinês, atuando como a mitológica "Cassandra", nos avisam sobre tais riscos. Agora o FMI, em documento oficial, nos avisa que o sistema está frouxo. O tal contrato de balcão americano é o "shadow banking" chinês.

3. "Moral Hazard" - Sabemos que agentes financeiros não podem, ou ao menos, não devem dar garantias de "principal investido" a seus clientes. E é justamente isso que o relatório do FMI nos revela ao afirmar que algumas instituições financeiras estão utilizando de seu capital próprio para honrar eventuais perdas de clientes. Uma receita para catástrofe!

Em síntese, o FMI conclui que 27 das 33 instituições financeiras analisadas encontram-se com um nível de patrimônio líquido abaixo do desejado ("undercapitalized"). Já o banco central chinês (PBOC) diz que, embora discorde de alguns pontos, considera o relatório relevante.

Esta semana, ao realizar palestras pela MyCAP, falei muito sobre a China, explorando as ideias de Louis-Vincent Gave, CEO da Gavekal. Louis, vem há anos defendendo a economia chinesa, e utiliza como um de seus principais argumentos o fato de que a relação de crédito na economia como proporção do total de depósitos bancários no país é de 1:1. Nos EUA, na época da crise era de 3,5:1, e hoje está por volta de 2,75:1. Por lá, as empresas têm acesso ao mais desenvolvido dos mercados de capitais; algo que ainda não está disponível na economia chinesa. Graças da Deus!

O que dirá Louis diante do relatório do FMI? Imagino eu que, ao ler, deverá atribuir uma maior probabilidade de que o pais embarque em um cenário denominado como "japanização" da economia chinesa. Há muito em comum entre a segunda e a terceira maior economia do mundo.

Por isso, diante dos riscos globais que venho explorando como a remoção dos estímulos monetários dos BCs, do IPO da Saudi Aramco, e deste discutido acima, reafirmo a recomendação PREPARE-SE PARA RETORNOS MENORES na renda variável. E trazendo este conceito para o Brasil, onde você ainda consegue obter taxas nominais próximas a 9% ao ano ao ir um pouco mais longo na curva de juros, fique na renda fixa. Em breve, oportunidades surgirão na renda variável e a ter munição ("dry powder", como os americanos gostam de chamar) será extremamente vantajoso!

Marink Martins, CNPI 

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