O que o Morgan Stanley tem a dizer sobre as ações da TESLA

16/01/2020

Aqueles que acompanham os mercados há bastante tempo sabem que há momentos em que alguns analistas ficam mais tímidos (quase que escondidos) quando os mercados atropelam suas teses de investimento com um desdém típico de uma última pernada; seja ela de alta ou de baixa. O fato é que o movimento de alta nas ações norte-americanas vem provocando inúmeras comparações com aquela ocorrida em 1999.

Se na década de 90 alguns símbolos da euforia no mercado acionário puderam ser vistos através das extravagâncias do CEO da empresa Tyco e das competições de ego entre os diretores da Enron, pode-se dizer que um dos símbolos do momento atual não está ligado ao consumo, mas sim na atitude de Elon Musk que, através de uma "dancinha pública" de dar vergonha alheia, esfregou na cara do "vendido" o sucesso que sua empresa vem obtendo em suas operações na China.

Só neste início de ano as ações da TESLA, que já haviam subido bastante no último trimestre de 2019, se valorizaram 25%. Seu "valuation" chegou a superar US$90 bi - um valor superior ao somatório dos "valuations" da GM e da Ford! Toda esta euforia, entretanto, tem como base uma expectativa extremamente positiva quanto ao potencial de crescimento nas vendas de carros da TESLA na China. Contudo, há quem discorde deste cenário benigno que vem sendo precificado por Wall Street.

Dentre os mais pessimistas, temos o analista Adam Jonas do Banco Morgan Stanley que hoje divulgou que tem como preço justo para as ações da TESLA um preço que é 30% inferior ao preço atual.

Curiosamente, embora não surpreendentemente, a TESLA ainda não registra lucros. De acordo com o analista do Morgan Stanley a empresa deverá melhorar seus resultados nos próximos anos, registrando um lucro próximo a US$500 milhões em 2023. Isso quer dizer que hoje, as ações da TESLA negociam a um múltiplo de 31x o lucro projetado para 2023!

Não temos como saber se as estimativas do Adam Jonas estão certas ou se são conservadoras demais. Dito isso, a mensagem que busco transmitir aqui é que as condições econômicas presentes nos EUA - com juros baixíssimos, pleno emprego, e inflação controlada - fazem com que analistas se estendam demais em suas projeções, mesmo em se tratando de setores e indústrias sujeitas a profundas transformações.

Talvez o problema não seja nem dos analistas. Estes certamente se esforçam até demais. O problema maior talvez esteja com os próprios investidores que se apresentam bem receptivos a narrativas repletas de incertezas. E aqui vale mencionar a expectativa de maiores vendas de Iphones com a chegada da tecnologia 5G, adoção de proteínas alternativas as dietas do dia-a-dia, a chegada do carro elétrico autônomo e muitas outras. 

Observe que todas estas inovações podem até ser sensacionais, mas nem chegam perto das inovações vistas na virada do século 19 para o século 20 quando, na ausência de uma lampada, o melhor a se fazer era dormir. Faço esta comparação pois ela faz parte do excelente trabalho do professor Robert Gordon, da Universidade NorthWestern, que argumenta que as inovações atuais carecem de um impacto significativo quando comparadas com as inovações da primeira e da segunda revolução industrial.

Mas, voltando aos mercados, não devemos nos esquecer também que há situações em que os investidores finais não têm a menor ideia do que está ocorrendo. Podemos tomar como exemplo investimentos feitos através de planos de previdência "401K" ou "IRA" em que funcionários do setor privados canalizam suas poupanças para fundos geridos por empresas gigantes como a Vanguard. Arrisco-me dizer que >90% não tem a menor ideia do que está em suas respectivas carteiras. O total investido através destas contas já é superior a US$30 trilhões. Embora saibamos que grande parte está na renda fixa, este total é equivalente a 75% do valor de mercado de todas as empresas listadas nos EUA. (aqui vale uma explicação adicional: o fato das aposentadorias estarem na renda fixa talvez representem um risco maior do que se estas estivessem na renda variável. Dizem que a bolha do momento está na própria renda fixa). 

O filme "The Big Short" traz uma cena antológica em que o personagem que interpreta o Steve Eisman da vida real ("Mark Baum" no filme) conversa com um afiliado da Merrill Lynch que exercia a função de alocador de recursos durante os anos que antecederam a grande crise financeira. O personagem fica chocado com a falta de ética e responsabilidade fiduciária do tal afiliado! É difícil acreditar que o que está em curso no atual momento seja muito diferente.

Enquanto os otimistas argumentam que qualquer "growth stock" é melhor do que um investimento em renda fixa, o que observamos é uma deterioração em uma relação que funciona como base no mercado de capitais: a relação entre capacidade de pagamento das empresas e seus respectivos diferenciais de taxas com relação a um ativo sem risco. O gráfico abaixo é ilustrativo disso que busco enfatizar:

No gráfico acima vemos que a linha azul (diferencial de taxas frente a um título de risco zero) vem caindo enquanto que a linha vermelha (indicativa da capacidade de geração de caixa das empresas) vem se deteriorando. 

Todos no Brasil se lembram do que ocorreu com a Petrobras durante os anos de 2014, 2015 e 2016. Sua capacidade de gerar caixa se deteriorou e os "spreads" refentes aos seus títulos se expandiram drasticamente. 

Bem, ontem, em discurso celebratório do acordo Fase 1 entre EUA e China, Trump e sua equipe econômica deixou escapar propositalmente que um nova redução tributária está por vir. Isso poderá mudar tudo e, até mesmo, reverter a tal deterioração na geração de caixa discutida acima.

O problema é que alguém terá que pagar a conta. Uma nova reforma tributária poderá até aproximar os preços de Wall Street aos fundamentos. Como algo terá que ceder, é possível que o crescente endividamento americano venha a se manifestar através de um dólar bem mais fraco.

Embora tudo isso soe mais como pura conjectura, saiba que mesmo em economia, há leis que quando violadas resultam em movimentos turbulentos nos mercados. 

Marink Martins 

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