Os Ventos da Mudança

30/10/2019

Aos poucos cresce o número de estrategistas globais que apontam os mercados emergentes como a nova fronteira de crescimento para esta nova década que se iniciará em algumas semanas.

Refiro-me a estrategistas de calibre como o Louis-Vincent Gave, fundador da Gavekal Research, e o Ben Inker, responsável pela alocação global da gestora norte-americana GMO. Ambos, de forma distinta, consideram as ações americanas caras e vulneráveis às mudanças que estão por vir em 2020 catalisadas pelo embate eleitoral nos EUA.

Curiosamente, o índice S&P 500 vem registrando novas máximas puxado por um movimento de rotação setorial que vem favorecendo ações de "valor" em relação as ações associadas a "momentum". Só no último mês o S&P 500 se valorizou 1,9% contra uma apreciação de somente 0,3% para o ETF MTUM - aquele que engloba as ações que nos últimos meses vem impulsionando o mercado.

Uma importante mudança ocorrida nas últimas semanas foi a decisão do FED de retomar o processo de expansão de seus ativos através da recompra de títulos do tesouro de curto prazo - os T-bills. Embora Jerome Powell se recuse a denominar a operação de "Quantitative Easing (QE)" (afrouxamento monetário), o fato é que a instituição voltou a injetar quantidades maciças de recursos no mercado, o que vem enfraquecendo o dólar e contribuindo para uma valorização em ativos emergentes. Em destaque, os ETFs EWZ - MSCI Brazil e o RSX (Rússia) estão se valorizando 6% neste mês - quase o triplo da valorização do índice S&P 500.

Ben Inker, da GMO, diz que o índice S&P 500 está precificado para gerar um retorno real de 3,5% assumindo que a inflação se mantenha estável, por volta de 1,5% ao ano. Para ele, isso se compara com expectativas bem mais robustas em mercados emergentes - por volta de 10% ao ano. Além disso, o gestor já vê sinais de perda de eficácia nas políticas monetárias nos países desenvolvidos, o que, em sua opinião, deverá levá-los a embarcar em expansões fiscais que culminarão em pressões inflacionárias.

Há certamente razões para acreditar que a nova onda de crescimento econômico virá de países emergentes. Louis Gave destaca que países como o Brasil e a Índia estão promovendo importantes reformas estruturais que contribuirão para uma maior atratividade por parte dos investidores globais.

Apresentados alguns argumentos em prol de uma realocação de recursos em direção dos emergentes, fica a dúvida se a transição irá ocorrer de forma suave.

Está certo que as tensões comerciais entre os EUA e a China foram reduzidas. Contudo, os mercados parecem ignorar alguns eventos com potencial disruptivo. Há meses fala-se que a mudança promovida pelo IMO 2020 será o evento mais disruptivo do setor petrolífero em décadas. Sabe-se que tal evento deverá encarecer o transporte marítimo - responsável por 90% do comércio global - de forma significativa. Além disso, a onda de IPOs norte-americanos perdeu força e grande parte das ações lançadas este ano já apresentam perdas. Temos também manifestações ocorrendo em importantes cidades globais.

Para finalizar, chamo atenção a uma onda de falências associadas a empresas ligadas a extração de carvão nos EUA em uma região que foi determinante para o sucesso de Trump nas eleições presidenciais de 2016. E por falar em eleições, as primárias do partido democrata serão antecipadas e tal evento poderá gerar uma maior volatilidade nos mercados já no primeiro trimestre do próximo ano. 

Por tudo isso, tenho sérias dúvidas se este processo de realocação em direção a ativos emergentes irá ganhar tração em um período decisivo para a economia americana como este que se inicia. Fique de olho nos contratos de opções pois muitos estão negociando a preços baixos, refletindo a expectativa de marasmo nos mercados associado ao fim do ano. O baixo VOL associado a estes contratos ignora a possibilidade de que o primeiro trimestre de 2020 poderá ser turbulento devido aos diversos fatores aqui mencionados.

Marink Martins 

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