Ouroboros Corporativo

O valor total das 25 maiores empresas do S&P 500 supera a marca de 30 trilhões de dólares. Tal valor acaba de exceder o somatório do valor dos títulos emitidos pelo Tesouro dos EUA. Sabe o que isso quer dizer?
Nada. Mesmo assim, deixa um certo incômodo. As 25 maiores empresas correspondem a 56% do valor de mercado do S&P 500. Em outras palavras: 5% das empresas do índice equivalem a 56% do total em termos de valor de mercado!
O que temos é uma réplica da dinâmica de distribuição de renda na sociedade norte-americana, agora levada para o mundo corporativo. Trata-se do monstro comendo os próprios filhos. A figura do Ouroboros -- a figura mística de uma serpente que devora a sua própria cauda -- ilustra essa dinâmica perfeitamente. (ver imagem acima)
O que me impressiona é que tudo isso ocorre também em um momento em que os EUA possuem uma participação de 72% na carteira MSCI World ETF (código: URTH). Tal carteira considera somente ações de empresas sediadas em países classificados como desenvolvidos. Naturalmente, o índice exclui a China, hoje líder em diversas frentes tecnológicas.

Acima, a distribuição geográfica dos países em que estão sediadas as empresas que compõem a carteira MSCI Global (URTH). Observe que não há empresas chinesas neste índice global, pois a China é classificada como país em desenvolvimento de acordo com a MSCI.
Para uma leitura mais abrangente, podemos observar outro ETF que inclui, além das principais empresas de países desenvolvidos, também aquelas de países em desenvolvimento: refiro-me ao ETF ACWI.
Neste, a participação dos EUA não é muito diferente, sendo de 64,35%. Curiosamente, no ACWI, temos uma situação um tanto bizarra: três das maiores empresas do mundo — Nvidia (4,84%), Microsoft (3,96%) e Apple (3,85%) — possuem participações percentuais superiores à registrada pela China (3,23%).
Me diga: a China é, ou não é, negligenciada pelo processo de indexação que domina o mundo?
Mas tem mais! A lucratividade projetada para 2026 de todas as empresas do índice S&P 500 — algo próximo a 2,5 trilhões de dólares — está se igualando ao valor que consumimos anualmente em barris de petróleo no mundo. E o que tal comparação quer dizer?
Novamente, nada! Mas, considerando que estrategistas afirmam que a economia do mundo nada mais é do que energia em transformação, parece que os valores de mercado das empresas estão esticados demais em relação ao valor da matéria-prima (barris de petróleo).
No passado, já testemunhamos momentos em que as empresas norte-americanas estiveram supervalorizadas. Neste momento, entretanto, algo assustador é o fato de que tudo isso ocorre em meio a uma combinação inusitada de dois fatores.
Não só temos um dólar supervalorizado, como também temos uma alocação excessiva em ativos norte-americanos, resultado de um processo nefasto de indexação que penaliza a participação de empresas de países emergentes, como as da China, Brasil e outros.
Eis que, em meio a tudo isso, surge a pergunta: e se os agentes alocadores decidirem promover uma realocação global similar à feita em 1989, na ocasião do estouro da bolha japonesa?
Naquele momento, a participação das empresas japonesas chegou a superar 50%, contra aproximadamente 30% para os ativos dos EUA. Qualquer um consegue facilmente olhar para tal situação e perceber o quão absurda ela era em 1989. Será que os mesmos agentes conseguem fazer isso hoje?
Marink Martins