Permitam-me uma heresia: vou falar mal de ações que pagam dividendos

13/12/2017

Ter em sua carteira ações de empresas que sejam boas pagadoras de dividendos é como ter Seu Ptolomeu (aquele sabichão da escola do professor Raimundo) como um de seus alunos em sala de aula. O engomadinho e previsível aluno nunca te deixa na mão! Ah, eu queria ter um filho assim! Dizia o grande Chico Anysio.

Na vida real Seu Ptolomeu, por todo seu talento e dedicação, naturalmente pleitearia uma bolsa de estudos, algo que certamente o tornaria um aluno relativamente caro para sua escola. Seu conhecimento e previsibilidade contribuiriam para uma relativa acomodação de seus pares de forma análoga aquela proporcionada pelas pesquisas no Google nos dias de hoje. Sua presença em sala de aula, de forma paradoxal, contribuiria para uma maior fragilidade do sistema, pois, é só uma questão de tempo para que o confiável Ptolomeu nos decepcione. Tudo isso, sem mencionar que por trás daquele terno azul nunca amarrotado escondem-se represados diversos impulsos que, ao vir à tona, poderão nos surpreender negativamente. Volta e meia assistimos a filmes similares; normalmente em escolas no interior dos Estados Unidos.

Mas o assunto aqui é dividendo! Não há comparação entre a performance das ações da Microsoft do período pré-dividendo (antes de 2003) com a performance de suas ações após este período. Empresas normalmente passam a distribuir parte de seus lucros diretamente aos acionistas ao transitarem de um estágio de crescimento para um estágio de maturidade operacional. Isto é pelo menos o que está escrito nos livros. Sim, os mesmos livros que dizem que a prioridade da diretoria de uma determinada empresa é criar valor a seus acionistas. Na teoria, todos os participantes do mercado são muito bem intencionados!

Na verdade, o pagamento de dividendos é, em grande parte, um instrumento de maketing com objetivo de gerar uma certa estabilidade a base acionária de uma determinada empresa. Vou adiante e complemento que a mesma qualificação se aplica aos departamentos de Relações com Investidores. Qualquer analista sério deve simplesmente ignorar um relatório chamado "earnings release" e ir diretamente ao ITR da empresa. O grau de liberdade do ITR é bem menor; e acredite, isso é bom! O pessoal da área de RI é extremamente criativo e sabe fazer "cherry picking" como ninguém!

Conforme mencionei no título, disse que cometeria heresia. Alguns ficarão raivosos com as minhas colocações. Afinal, quem estuda os mercados provavelmente já teve acesso a um gráfico como o abaixo, evidenciando a "outperformance" do segmento.


De acordo com o gráfico acima, a performance das ações das empresas que pagam dividendos é bem superior ao do grupo ilustrado pela linha laranja (non-payers).

Bem, existem detalhes técnicos que fazem com que a imagem acima esteja relativamente deturpada. Mas, vou deixá-los para outro dia, outra análise. Hoje, tenho como objetivo provocar. Desejo que o acionista seja seletivo e não se deixe guiar pelo histórico de pagamentos de dividendos de uma determinada empresa.

Como guia prático, menciono duas dicas:

1. Caso a empresa pagadora de dividendo seja relativamente nova (menos de 10 anos de existência), fuja dela! Empresas novas tem ideias novas que necessitam de capital. Se ela está devolvendo seu capital, há uma boa chance de que ela esteja querendo te iludir. (Aqui, por ela, me refiro a diretoria).

2. Caso a empresa seja uma estatal, ou tenha uma enorme influência do estado, fuja dela! O estado está quebrado e a probabilidade de que ele tentará colocar a mão no caixa da empresa é imenso.

Concluo dizendo a Berkshire Hathaway, veículo de investimentos de Warren Buffet, só pagou dividendos uma única vez. Foi um dividendo de 10c em 1967. Perguntado sobre o assunto, o oráculo de Omaha brincou: Tal decisão provavelmente fora tomada pela diretoria em um momento em que eu estava no banheiro. Warren knows better!

Marink Martins, CNPI

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