Pode ser que seja tudo um modismo!

29/07/2019

Começo a semana chamando atenção do leitor a uma observação que fiz ao analisar o gráfico abaixo ilustrando a contribuição de cada setor na composição do Ibovespa.

De cara nos chama atenção o declínio em importância dos setores de telecomunicações (área roxa) e commodities (área azul) e a ascendência dos setores financeiro (vermelho) e de consumo (azul claro). Aproveito para promover um paralelismo que julgo ser muito importante ao analisar as perspectivas atuais.

Observe que o gráfico se inicia 1999, um período "mágico" onde as ações de tecnologia subiam como um foguete e seus "valuations" pouco importavam. Nos EUA, empresas como Cisco Systems, JDS Uniphase, Nortel, Lucent e muitas outras eram as estrelas daquela transição para um novo milênio.

Por aqui, na ausência de empresas do mesmo calibre, investidores se concentravam em versões tupiniquins do que, de alguma forma, se assemelhava as empresas de tecnologia do hemisfério norte. Sendo assim, houve grande demanda por ações de empresas como Globocabo (hoje NET), Embratel, Telemar, Telesp, Inepar, IdeiasNet, além de um fundo da IP Participações voltado para o setor. Era uma época em que "vendia-se" sonhos no Brasil através de uma simples comparação de múltiplos entre algumas empresas brasileiras com empresas parecidas nos EUA. Alguns mais velhos hão de lembrar de um famoso relatório do Banco Fator cujo preço alvo para as ações da Globocabo era de R$6,00 e que tomava como base uma comparação de múltiplo de EBITDA com as ações da empresa americana Comcast.

Com o estouro da bolha da internet nos EUA ocorrendo em março do ano 2000, os efeitos globais foram calamitosos. De forma bem resumida para não perder muito tempo explicando o ocorrido, posso dizer que Globocabo foi apelidada de "globonabo" e Embratel de "embratrolha".

Dez anos mais tarde já estávamos no ciclo das commodities. Foi a vez de empresas como PetroChina, Petrobras, Vale, BHP e outras brilharem. A população global já envelhecia de forma acelerada, mas os mercados ainda estavam focados na tese de escassez. Falava-se em "Peak Oil" e imaginava-se um mundo em que o Pré-Sal brasileiro seria a solução para todos os problemas. Infelizmente, não demorou para vermos que a conta estava errada. A revolução do gás de xisto  -- que já estava em curso no fim da década anterior --  veio nos provar quão patética eram aquelas premissas.

E chegamos aos dias atuais. A lista da Forbes indica Jeff Bezos como o homem mais rico do mundo, com uma fortuna que é 40% superior à do segundo homem mais rico - o Bill Gates. A Amazon é definitivamente o símbolo de uma nova época. Uma análise do seu resultado do segundo trimestre de 2019 nos mostra que grande parte de seu lucro é oriundo de operações como Amazon Web Services (AWS), advertising e operações internacionais. A empresa exerce uma posição dominante em um mundo onde dizem que o vencedor leva tudo.

E voltando ao foco ao Brasil, não é de se surpreender que o setor de consumo vem crescendo em termos de importância no Ibovespa mesmo levando em consideração que a economia brasileira se arrasta.

Por aqui, empresas como Magazine Luiza, B2W e outras representam o que temos de mais próximo do que é hoje o "modismo" global em termos de investimentos. Só que não podemos nos esquecer, como bem disse Mark Twain, que a história embora não se repita, ela rima. Utilizando um dos anglicanismos prediletos dos analistas locais te faço a seguinte pergunta: será que as varejistas brasileiras são um bom "proxy" para esta tendência de digitalização do varejo em curso? (antes que você me xingue, "proxy" = "representação").

Expresso aqui meu ceticismo. A Amazon é Cloud. A Amazon é advertising. A Amazon é Prime Day e Alexa. A Amazon é global. Mesmo assim, a Amazon hoje valendo 1 trilhão de dólares e negociando 80x seu lucro projetado pode estar fazendo máxima!

No Brasil empresas como Magazine Luiza negociam com um múltiplo de lucro projetado superior a 55x. Trata-se de uma empresa cuja margem de lucro líquido é de somente 5%. Está certo que seus investimentos em logística a torna um alvo para empresas internacionais. Mas, será que vale a pena comprar as ações da empresa tomando como premissa somente um potencial associado a uma operação de fusões e aquisição? Tenho as minhas dúvidas.

Na semana passada, gravei um vídeo em que questionei se o IBOV pode se valorizar sem a ajuda do desempenho das ações da Petrobras e da Vale. Embora matematicamente a resposta seja sim, creio que seja muito difícil que o IBOV irá atingir as metas estabelecidas por algumas instituições (Ibov entre 120k e 130k em um ano) sem uma reação expressiva destas duas gigantes do setor de commodities. Afinal, os setores de consumo e de bancos me parecem já precificar um cenário de céu brigadeiro sem perceber as inúmeras nuvens pesadas se formando logo ali na serra.

Marink Martins 

www.myvol.com.br