Por que ninguém se preparou para o que estava por vir?

30/07/2019

Hoje vou buscar ser um pouco mais direto. Você concorda que para os mercados a variável mais importante é o crescimento econômico global? Você concorda que os ativos americanos, com aproximadamente 55% de peso na carteira MSCI Global, são os mais importantes? Eu assumo que você respondeu SIM as duas perguntas. Afinal, a derrocada vista no período natalino foi suficiente para levar o IBOV para 85.000. Alguns meses mais tarde, em maio deste ano, receios com questões domésticas junto com a possibilidade de que as tensões comerciais pudessem estancar o crescimento econômico global fizeram com que o IBOV recuasse novamente; desta vez para o patamar de 90.000.

Em tese, temos uma bolsa doméstica animada com as perspectivas de recuperação da economia brasileira, porém, com um enorme receio de que tudo vá degringolar lá fora. Em particular, receios de uma recessão nos EUA e na Europa deixam os investidores brasileiros apreensivos.

Os estrategistas que acompanho nos passam duas importantes notícias; uma boa e a outra preocupante.

A boa notícia é que a retomada das negociações entre os EUA e a China hoje parece importar bem menos do que em maio deste ano. Isso porque ficou claro após a reunião do G20 que Trump recuou em suas ameaças de impor tarifas adicionais de 25% sobre os outros US$300 bilhões em importações de produtos chineses. Receoso de que tais tarifas impactariam diretamente o consumidor americano, Trump fez um movimento tático pensando em sua campanha eleitoral de 2020. Sendo assim, o recuo trumpiano deu uma nova dimensão a esta guerra comercial. As tarifas já impostas devem ser mantidas e o que passa a ser negociado é algo que tenha como objetivo manter o atual nível de confiança nos mercados.

A má notícia vem do fato de que na última sexta-feira, ao divulgar o PIB americano para o segundo trimestre do ano, o departamento conhecido como "Bureau of Economic Analysis" revisou para baixo de forma significativa a lucratividade das empresas corporativas não-financeiras dos EUA.

O que os dados indicam é algo que tentei mostrar aqui há algumas semanas: o crescimento do lucro líquido americano veio, em grande parte, dos cortes dos impostos. O crescimento do lucro orgânico foi bem inferior aos estimados.

No primeiro gráfico observamos a redução na lucratividade através da linha vermelha (After revision). Já no segundo gráfico, revisamos a crescente barra vermelha que indica um crescimento nos custos associados aos salários pagos aos funcionários corporativos.

Mas como pode um órgão do governo revisar os resultados passados? E os resultados já divulgados pelas empresas americanas? Bem, não é à toa que hoje em dia temos uma série de indicadores "ajustados". Trata-se de algo -- colocado aqui de forma irônica - como se eu dissesse: o meu lucro no primeiro semestre cresceu 50% para um recorde de 1 milhão de dólares ajustado para o mega prejuízo de 900 mil que tive em uma operação em janeiro. rsrs

Para piorar, a revisão mencionada acima traz também informações de que a principal razão para a estagnação da lucratividade das empresas americanas ocorreu devido ao crescimento das despesas com salários. Pela primeira vez, a tal da "wage inflation" mostra sua cara.

Os estrategistas afirmam que agora sim temos um ciclo econômico que começa a fazer sentido. Um onde, na última pernada, o consumidor  -- se sentindo mais poderoso devido aos aumentos salariais -- é o último a jogar a toalha.

Assim, o que temos de fato, como o principal risco a frente, é uma eventual deterioração na confiança do consumidor que poderá contribuir para uma deterioração nos lucros e um eventual recuo nos mercados.

Em 2008, durante uma conferência na London School of Economics onde acadêmicos discutiam a crise nos mercados a rainha da Inglaterra perguntou: "Why did nobody notice it" (Por que ninguém se preparou para o que estava por vir? - aqui em uma tradução livre). Não é difícil vislumbrar que a mesma pergunta possa vir a ser feita em um futuro próximo.

Marink Martins

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