Premissas Perigosas

01/02/2021

O autor Nassim Taleb, em seu livro a A Cama de Procusto, nos fala sobre a necessidade humana de compactar informações e estabelecer premissas a respeito de sistemas complexos, como a vida e os mercados.

Em relação aos mercados, uma das premissas mais perigosas é aquela associada 'a liquidez - a crença de que um ativo considerado líquido se manterá líquido continuamente. Aqui é importante definir liquidez como a capacidade de transformar um ativo em dinheiro de forma rápida e sem perdas expressivas de valor. Não é à toa que, volta e meia, observamos algo que é classificado como uma crise de liquidez.

Já escrevo estes textos, em parceria com a Corretora MYCAP, desde 2015. Tenho plena consciência que, a grande maioria deles, carregam um tom de cautela elevado, muitas vezes flertando com o pessimismo. A verdade é que as minhas experiências durante a crise asiática dos anos 97/98 moldaram a minha forma de pensar o mercado.

Penso que - pelo menos como um comentarista de mercado - que o melhor que posso fazer por aqui é buscar proteger o leitor de eventos como um Cisne Negro. E sem essa de que Cisnes Negros, por definição, não podem ser previstos. Se o leitor evitar a alavancagem e estiver preparado para eventos de liquidez, ele certamente sobreviverá aos momentos mais difíceis dos mercados.

Devo confessar aqui que fiquei muito feliz quando alguns leitores me escreveram dizendo que textos como o do CarnaVOL e da Beautiful Selic os ajudaram a transitar pelo evento de liquidez de março/abril de 2020 de uma forma mais tranquila.

Bem, faço aqui toda esta introdução para alertar o leitor que Raoul Paul, ex-trader da Golman Sachs e fundador do excelente Real Vision, gravou recentemente um vídeo nos alertando que o movimento de "SHORT SQUEEZE", que varre o mundo, pode rapidamente se transformar em um evento de liquidez, nos moldes daquele ocorrido no ano passado.

Os argumentos de Raoul, como sempre, estão bem fundamentados. Em seu vídeo, ele dedica alguns minutos para explicar algumas regras associadas ao que é chamado de "Net Capital Rule" (NCR) que determina o patrimônio líquido de uma corretora após os valores de seus ativos sofrerem um deságio associado a fatores de liquidez.

É a NCR que faz com que a corretora Robinhood tenha que estabelecer limites operacionais com relação a ações como a Gamestop e a AMC. Não há nada de conspiratório nesta atitude. Os balanços das corretoras estão estressados. Isso vem afetando não só a Robinhood, mas também a Interactive Brokers e muitas outras.

Assim como sempre ocorre em eventos de liquidez, a volatilidade dos mercados sobe e os deságios sobre os ativos aumentam, de forma que há uma necessidade maior de capital. Isso ocorre não só para o investidor, mas também para a corretora que também é forçada a depositar garantias junto as bolsas de valores.

Contudo, um dos argumentos mais válidos apresentados pelo Raoul é um que já discuti por aqui algumas vezes. Estamos vivendo em um mercado em que a maioria dos investidores assume que ações são instrumentos de proteção contra uma iminente inflação. Com isso, muitos investidores optaram por navegar nestes mercados sem as proteções das PUTs, sem as proteções de contratos futuros. E o pior, muitos que se protegiam através de operações long/shorts se tornaram vítimas do maior "short-squeeze" de todos os tempos - como foi o caso da gestora Melvim Capital.

O que os investidores parecem ignorar é a possibilidade de que, em caso de uma nova crise de liquidez, podemos vir a ter a maior e mais rápida compressão de múltiplos de P/L de todos os tempos. Por isso, concluo este texto com o velho CAVEAT EMPTOR.

Marink Martins

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