Quando a alta nas bolsas é prejudicial a economia

01/11/2021

Historicamente, os ciclos de valorização das ações tendem a refletir um bom momento econômico. Os preços das ações normalmente acompanham o crescimento da lucratividade das empresas. Além disso, os ciclos de alta contribuem para uma elevação tanto na arrecadação tributária como no consumo de bens e serviços.

Neste sentido, vale relembrar os anos que marcaram o fim da década de 90 nos EUA. Naquela época, o país que hoje registra crescentes déficits gêmeos (déficit fiscal e nas contas externas), passou por um importante período marcado por superávits fiscais que coincidiu com um mercado de ações em ebulição.

Hoje, no entanto, embora os índices de ações estejam registrando recordes atrás de recordes, a situação fiscal norte-americana só faz piorar. Curiosamente, isso ocorre em um período de euforia nas bolsas. Imagine você como ficará a situação fiscal do país quando o momento de adversidade mostrar a sua face.

Diferente do passado em que as autoridades monetárias permitiam que uma recessão se estabelecesse, e que assim a economia pudesse promover a "limpeza" necessária para um novo ciclo, vivemos em um fase em que a "dor" deve ser evitada de todas as formas. Isso não é uma exclusividade nos EUA, mas sim em todo o mundo ocidental desenvolvido. Na Europa, o estado de negação das autoridades também é preocupante.

Assim, chegamos a um ponto nos EUA onde há uma escassez de mão-de-obra que, a cada mês, contribui para maiores pressões inflacionárias. Há quem diga que tais pressões são transitórias e que devem arrefecer nos próximos meses na medida em que as famílias voltem a uma vida normal em que pai e mãe possam voltar a trabalhar como faziam antes da pandemia.

No gráfico acima observamos que, embora a taxa de desemprego venha caindo continuamente, o custo da mão-de-obra -- medido aqui pelo "Employment Cost Index" trimestral -- vem atingindo níveis preocupantes. Níveis que, no passado, resultaram em um postura mais agressiva do FED que tiveram como consequência um período de contração econômica.

Sabe-se que um dos maiores danos da pandemia (para efeito deste texto, cujo foco é econômico, deixo de lado a maior delas que foi a perda de vidas) foi a suspensão das aulas presenciais que forçou uma importante adaptação nas famílias. Em muitos casos, foi necessária a presença de um adulto que ficasse em casa em tempo integral. Tal necessidade teve um impacto direto no mercado de trabalho onde pessoas com mais de 55 anos simplesmente optaram por se aposentar mais cedo ou resolveram parar de trabalhar por um tempo.

Felizmente, para muitos destes trabalhadores, as intervenções econômicas feitas pelo FED, em parceria com o Tesouro dos EUA, contribuíram para que a poupança das famílias, em termos nominais, crescesse de forma significativa. Só que, embora a economia do país já esteja em processo de normalização com a volta às aulas, os indicadores econômicos nos mostram que não há pressa alguma por parte daqueles que saíram da força de trabalho de voltar aos seus empregos prévios.

E é por isso que muitos economistas apontam para a valorização das ações como um importante entrave para que a economia consiga voltar a crescer de forma sustentável. O fato é que, neste momento, a economia americana não só está em processo de desaceleração, mas faz isso de forma inflacionária.

Pode não parecer, mas o gráfico acima nos mostra que o crescimento do PIB dos EUA está em tremenda desaceleração. Observe o título do gráfico e o ponto em vermelho indicando crescimento bem menor para a economia durante o terceiro trimestre do ano. 

Chegou-se a um ponto em que maiores valorizações nas ações tendem a contribuir para maiores índices de inflação através de maiores pressões salariais em um mercado em que há escassez de trabalhadores. O fato é que este grupo com mais de 55 anos é o que mais se beneficia da inflação de ativos que se faz presente. Com o dinheiro entrando através do mercado, não há porque voltar a trabalhar na economia real.

Sabe-se que, se nada for feito, a atual dinâmica no mercado de trabalho dos EUA deverá trazer duas consequências:

  1. Redução nas margens líquidas das empresas. Isso ocorre devido a aumentos salariais sem que haja ganhos de produtividade compensatórios.
  2. Aumento nas taxas de juros de mercado devido ao processo inflacionário que tende a se intensificar.

Caso tais consequências se materializem, é uma questão de tempo para vermos o mercado de ações sofrendo. Pode ser que, antes da eventual queda, o mercado ainda se valorize de forma significativa. Agora, finalizo com o seguinte questionamento:

Será que não seria mais saudável para a economia que a instituição que mais ajudou a impulsionar esta inflação de ativos (o FED) começasse a desinflar as bolsas, permitindo assim que as pessoas "caiam na real" e voltem a trabalhar mais e a especular menos? Bastaria que Jerome Powell e seu time mudassem a retórica...

Marink Martins


www.myvol.com.br