Quem financiará o crescente endividamento fiscal norte-americano?

23/01/2018

O grande estrategista global, Louis-Vincent Gave, presidente da consultoria Gavekal, nos conta que em 2017, pele primeira vez na história dos EUA, o país registrou três anos de crescentes déficits fiscais sem que tal situação resultasse em uma recessão. Isso é inusitado na história econômica daquele país.

Apesar de vivermos um período de euforia, com ativos possivelmente sobrevalorizados e elevada receita tributária, os gastos do governo americano crescem a um ritmo que é, no mínimo, preocupante.

De acordo com o CBO, responsável por estimativas orçamentárias naquele país, o déficit fiscal caminha para superar a faixa de 5% do PIB em 2027. Com isso, só em 2018, o tesouro americano irá emitir nada menos do que US$1.3 trilhões em títulos soberanos.

Qualquer um que já fez um curso de economia provavelmente já ouviu falar sobre o efeito de "crowding out". Trata-se de uma situação em que o governo, carente de recursos, acaba ocupando um espaço no mercado de capitais que seria muito mais útil para sociedade se fosse ocupado pelo setor privado. Nós, brasileiros, vivendo em um governo cujo déficit nominal oscila entre 5% e 10%, compreendemos muito bem as consequências nefastas deste comportamento.

Não é à toa que o professor da Universidade de Chicago, Luigi Zingales, afirma que os EUA, cada vez mais, se assemelham a um país latino, com um líder populista e uma crescente desigualdade.

Naturalmente, o leitor indagará: mas como assim, se o país caminha para crescer 3% ao ano, com desemprego inferior a 4%?

Não há dúvidas de que a foto atual seja atrativa. Não há dúvidas também quanto a capacidade de inovação das empresas americanas. Contudo, do ponto de vista fiscal, o país semeia um problema explosivo.

Em sua mais recente análise, Louis-Vincent Gave busca responder à pergunta do título acima e oferece 4 alternativas: o Fed, os bancos norte-americanos, o setor privado norte-americano e/ou investidores estrangeiros.

Sabe-se que o Fed está em processo de desalavancagem. Já os outros candidatos, de acordo com Louis, exigiriam uma curva de juros bem mais inclinada do que a atual; isto é, exigiriam uma melhor remuneração para seus títulos. Além disso, Louis reitera que quanto maior for o endividamento, mais juros serão demandados por tais financiadores.

Para piorar, coincidindo com esta maior necessidade de recursos do governo americano, temos um preço do petróleo que se aprecia e contribui para drenar a liquidez global.

Para finalizar, ele nos diz que caminhamos em uma trajetória de colisão entre outras quatro forças:

  • A desalavancagem do Fed
  • O crescente endividamento fiscal
  • Um dólar ainda forte
  • Um crescente apetite dos investidores ("animal spirits")

Algo terá que ceder! Convenhamos que as chances de que haja uma redução no endividamento fiscal seja ínfima (item 2). Quanto ao Fed (item 1), salvo que não haja uma catástrofe global, Powell deverá seguir a trajetória já delineada por Yellen. Sendo assim, sobram duas alternativas para que tal colisão seja evitada: um dólar mais fraco (item 3) e um sentimento de ressaca por parte dos investidores (item 4); este último, manifestado em diversas classes de ativos.

Tal cenário pode aparentar distante, mas assim como nuvens, já está em formação.

Marink Martins 

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