Sobre os "Zé Comprinhas" e os "Zé Vendinhas"

05/10/2017

Gosto muito de filosofia. Em particular, tenho uma preferência pelo existencialismo e sou fã da expressão: a existência precede a essência. Assim como na vida, acredito que a nossa forma de pensar a respeito dos mercados é fruto de nossas experiências existenciais durante a nossa primeira infância (de mercado) -- defino aqui, como primeira infância de mercado, as condições existentes durante os nossos primeiros três anos atuando no mercado de ações. Se você entrou no mercado na segunda metade dos anos 60, ou no início da década passada, certamente vivenciou mercados altistas que transformaram a sua forma de pensar e ver as coisas. Talvez você ou amigos tenham comprado ações da Apple ou da Caemi, ou quem sabe da Ambev ou das Lojas Americanas. Certamente histórias construtivistas capazes de alterar a estrutura de pessoas envolvidas através do que é conhecido como epigenética.

De forma análoga, pessoas que iniciaram suas carreiras nos mercados em momentos mais turbulentos, desenvolveram uma visão oposta; um tanto sombria. E aí, temos como exemplos períodos de mercados baixistas e turbulentos como o dos anos 70, ou aquele entre 1998 a 2001 no mercado de ações brasileiro, ou o mesmo o pós-90 no mercado japonês, e, mais recentemente, o período logo após o início do segundo mandato de Dilma Roussef.

Naturalmente, preferimos nos classificar como realistas. Mas, este é um estado tão platônico quanto o conceito de neutralidade nos mercados. Um conhecido "zé comprinha" no mercado americano uma vez disse de forma um tanto engraçada: "sempre que estou otimista demais, procuro ouvir um pouco do podcast do Bill Gross! E aí, volto ao normal." Quem já acompanhou Bill Gross ao longo dos últimos 7 anos, com seu discurso sobre "New Normal", sabe exatamente do que estou falando. Gross, uma vez conhecido como o rei da renda fixa nos EUA, vem carregando um tom pessimista desde a época pós-crise; período em que o índice S&P 500 encontrava-se por volta dos 1.000 pontos. Seu pessimismo o levou a sair da gestora PIMCO, a brigar com seu parceiro El-Erian, e a um certo ostracismo. Gross é um pessimista que fez fortuna "surfando" o longo "bull market" da renda fixa global.

Nasci para o mercado de ações no ano de 1996, mas quando comecei a entender um pouco melhor sobre o que acontecia ao meu redor, já vivenciava a avassaladora crise asiática que começou a impactar a bolsa brasileira no dia 14 de julho de 1997. Vi a ação da Eletrobras cair de R$800 para R$250 em três meses; a da Telebras cair de R$150 para R$50 no mesmo período. Por isso, desenvolvi um certo fascínio por operações não-direcionais, aquelas nas quais tomamos como premissa a imprevisibilidade de curto prazo na bolsa, e focamos em operações buscando uma renda, com características semelhantes àquelas vistas no mercado de renda fixa. Exploro em detalhes tais conceitos em 5 vídeo aulas que gravei junto a Empiricus com o nome de O Cerco Dinâmico.

De volta ao mercado atual, vivemos um momento de grande euforia nas bolsas e não é raro encontrar nas mesas de operações, uma polarização quase política, entre "zé comprinhas" e "zé vendinhas". Eu, como um pessimista de mercado, confesso que quando vejo analistas e investidores fazendo uso de um gráfico histórico do Ibovespa corrigido pelo IPCA para justificar uma defasagem e, assim, fortalecer seu argumento de que o indicador está "devendo", fico um tanto irritado. A minha resposta impulsiva tende a ser: neste caso é melhor investir no índice Nikkei! Quem disse que a bolsa tem a obrigação de superar o IPCA, o CDI, etc? No longo prazo, há certamente uma expectativa de que isso ocorra. Mas, como ocorre com frequência na vida, a posteriori, expectativas destoam da realidade; as vezes para melhor, outras para pior. Uma melhor compreensão desta tese no que diz respeito aos mercados pode ser vista através dos gráficos contidos no livro O Triunfo dos Otimistas. Publiquei tais gráficos em meu site pessoal: myvol.com.br

Para finalizar, reitero a minha tese de que vivemos em um momento eufórico, utilizando os argumentos do Banco BTG Pactual ao manter seu ceticismo com relação as ações da Ambev. De acordo com o banco, as ações da Ambev negociam com um múltiplo de Preço/Lucro projetado para 2018 de 24x. Tal múltiplo é de 21x quando consideramos o lucro projetado para 2019. Ao dividirmos 1 por tal múltiplo, obtemos a taxa de retorno esperado, que neste caso é inferior a 5% ao ano. Analisar múltiplos de P/L é naturalmente uma forma demasiada simples para se chegar a uma decisão sobre investimentos. Em muitos casos, o "L" projetado não embute todo o potencial de crescimento em questão.Empresas como a Amazon, a Netflix e muitas outras negociam com um P/L projetado elevado por muitos anos. Quem as abandonou cedo demais, perdeu uma ótima oportunidade. Por isso mesmo, quem vem frequentando os encontros organizados pela MyCAP, sabe que venho recomendando B2W há bastante tempo. Depois de inúmeros aumentos de capital, tudo indica que chegou o momento de crescer. Agora, Ambev não é B2W! Certamente, é muito melhor, muito mais sólida. Seu potencial de crescimento, entretanto, é muito menor. Seguindo nesta analogia, convido você a estudar as 20 maiores empresas do Ibovespa, responsável por aproximadamente 80% de seu valor, e a identificar quantas delas tem o pontencial de seguir um caminho parecido com a Amazon, Netflix, Google ou mesmo a B2W.

Marink Martins, CNPI

www.myvol.com.br