Um olhar sobre a alavancagem nas bolsas americanas

09/08/2017

A bolsa americana não está tão cara como muitos pensam. Já o nível de alavancagem, este sim, é uma fonte de preocupação!

A resposta de Trump à ameaças coreanas contribuem para um movimento de aversão a risco global. Nesta manhã, as bolsas europeias registram quedas superiores a 1%; algo que no passado seria irrelevante, porém, nos dias de hoje de baixa volatilidade, se torna uma manchete. A tensão com a Coreia, embora não seja uma novidade, traz consigo fatores de segunda ordem como questões não resolvidas entre os EUA e a China. Há tempos, especialistas da famosa empresa de pesquisa global, Gavekal, nos avisa sobre um possível escalonamento das tensões entre estes dois gigantes, começando pela Coreia do Norte, descendo para Taiwan, e eventualmente chegando ao ponto focal que tende a ser o mar do sul da China. De acordo com um especialista, tal região ainda dará muita dor de cabeça ao mundo.

Dito isso, dado que o dia parece ser de "risk off", é certo a aparição de inúmeros comentaristas pessimistas prevendo um colapso nas bolsas. Aposto que Marc Faber (um dos mais famosos pessimistas) acordou cedo e bem disposto! Uma outra aposta é que o vencedor do prêmio nobel Robert Shiller será convidado para dar entrevistas e falar sobre seu famoso "CAPE P/E" que aponta para níveis próximos aqueles vistos na época da bolha do Nasdaq. O "CAPE P/E" é uma espécie de relação preço/lucro ajustada na qual o lucro é corrigido pela inflação dos últimos 10 anos. O fato é que os pessimistas estão famintos, e caso a atual tensão ganhe tração, o nível de ruído nos mercados certamente irá crescer.

Embora eu tenha passado alguns meses do ano passado expressando similar preocupação, mudei a minha forma de pensar com relação aos índices americanos desde de fevereiro deste ano, ao concluir que meu pensamento estava dominado pelo viés cognitivo de reversão à média. Atualmente, penso que o S&P 500 não esteja tão caro se considerarmos que seu lucro projetado (consolidado para as 500 empresas) para 2018 esteja em US$141. Isso faz com que tal índice esteja negociando com um P/L projetado de 17,5x, bem inferior aos níveis entre 25x e 30x muito discutido pela mídia. O próprio "CAPE Ratio" de Shiller, por utilizar dados dos últimos dez anos, está contaminado pelos anos da crise de 2008, de forma que sua utilização deve ser evitada.

O fato de eu não considerar que haja uma bolha não quer dizer que eu ache que a bolsa por lá esteja barata. Acredito haver espaço para esta tão esperada realização de lucros! Só não acho que, caso ocorra, será na magnitude sugerida por muitos pessimistas. Há certamente diversas fontes de preocupações que vão além do risco geopolítico. Um dado importante é que os americanos voltaram a se endividar. Os dados referentes a empréstimos para compra de casas, automóveis, e outros bens duráveis já superam os registrados em 2008. Os empréstimos referentes a financiamento estudantil estão na estratosfera e já se fala também no crescimento exponencial de endividamento para compra de um outro bem: o "smartphone". Mas a linha que mais nos preocupa é aquela associada a empréstimos para a compra de ações utilizando "conta-margem". Abaixo, incluí alguns gráficos publicados pela bolsa de Nova York com dados a respeito de tal endividamento. Embora um primeiro olhar deixe o leitor assustado, é prudente colocar o atual nível de endividamento na faixa de US$600 bi em termos relativos. A capitalização total das ações americanas, medida pelo índice Wilshire 5000, está um pouco acima de US$25 tri, de forma que tal endividamento representa menos do que 2,5% da capitalização de mercado. Vamos aos números e aos gráficos:


Abaixo, temos um gráfico ilustrando valores corrigidos pela inflação americana. Nota-se que a linha vermelha (nível de endividamento para compra de ações) vem subindo a um ritmo mais rápido do que o próprio índice S&P 500 (linha azul). Nos últimos anos, é notório um maior fluxo para as cestas de ações conhecidas como ETFs. Tais cestas, por serem diversificadas, passam uma percepção de menor risco; algo que pode estar contribuindo para um comportamento mais complacente por parte de investidores americanos. 

Abaixo, a taxa de crescimento real tanto para o endividamento como para o índice S&P 500, desde 1995.

Já o gráfico abaixo, ilustra o poder de alavancagem dos investidores americanos. Quanto maior for a barra vermelha, menor é o poder de alavancagem do cliente. Os mais experientes já conhecem o famoso ciclo: primeiro vem a ganância dos formadores de opinião (maior alavancagem), depois vem a inveja dos seguidores (ainda maior alavancagem), depois vem o medo (desalavancagem dos formadores de opinião), depois vem a chamada de margem (desalavancagem dos seguidores). No fim, os perdedores ainda terminam com impostos a pagar, pois este é tão certo quanto a morte.

Marink Martins, CNPI



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