Uma Eventual Crise

27/06/2017

Acabo de ouvir o audiobook "A Skeptic Guide to American History" (Guia cético sobre a História Americana) no qual o autor faz uma releitura e reinterpretação de importantes eventos na história norte americana. Curiosamente, Malcolm Gladwell, o famoso colunista da revista "The New Yorker" e autor de inúmeros "best-sellers", lançou há dois anos, um já aclamado "podcast" chamado "Revisionist History" onde faz o mesmo, porém, aborda assuntos mais recentes e mais diversos. Neste sentido, quando olhamos para a crise americana de 2008, fato ocorrido há quase dez anos, temos uma tendência a considerá-la como algo que era inevitável, fruto da ganância de banqueiros e parte natural dos ciclos econômicos. Entretanto, um olhar crítico, seguindo a prática de Gladwell, nos diz que a magnitude da crise de 2008 poderia ter sido bem diferente do ocorrido, caso alguns eventos tivessem tido um outro desfecho. Por exemplo, caso Dick Fuld, então CEO da Lehman Brothers, tivesse aceitado a oferta inicial de compra feita pelo banco de desenvolvimento da Coréia do Sul, teria a crise ocorrido da forma que ocorreu? Poderia citar aqui inúmeros eventos como este, mas o meu objetivo neste momento é traçar um paralelo com um evento ocorrido neste fim de semana na Europa. O Banco Central Europeu acabou de salvar dois bancos italianos ao injetar US$19bn nas instituições, permitindo assim que tais instituições honrassem seus compromissos com seus credores. Houve uma época, e isso não faz muito tempo, que os mercados ficavam agitados diante da possibilidade de quebra de instituições financeiras; em particular, bancos europeus. Entre 2012 e 2015, os mercados sofreram diante de problemas com bancos da Bélgica, da Espanha, da Irlanda, e até do Chipre. Lá atrás, em 2008, em um dos pontos cruciais da crise, uma briga entre o Secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, e a presidente do fundo garantidor de crédito (FDIC), Sheila Bair, sobre se o governo americano deveria ou não honrar os créditos junto a credores da instituição Washington Mutual, contribuiu em grande parte para o que hoje conhecemos como a Crise do Supbrime de 2008. Os créditos do Washington Mutual foram honrados, porém, os dias de batalha marcaram os piores dias da crise. Hoje, um "bail out" (operação de salvamento) como este na Itália nem sequer ocupa as manchetes dos jornais.

A verdade é que há enormes pressões deflacionárias que permitem com que bancos centrais "imprimam" moeda sem maiores consequências. Apostar que uma crise esteja iminente pelo simples fato de que no passado, a cada dez anos, sempre tenha ocorrido pelo menos uma crise global, pode desmerecer completamente a tese de que vivemos um momento de grande transformação. Céticos não hesitarão em citar Rogoff e Reinhart e seu livro "This Time is Different" (Desta vez é diferente) para apontar que os tolos sempre argumentam que há algo peculiar que justifica a mais recente euforia nos mercados. Eu, longe de achar que estamos imunes a crises, acho que o sítio primário da próxima crise não estará no mercado de ações, e sim em um problema cambial global. Mas se todos os governos das grandes nações estão extremamente endividados, para onde devemos correr? O Fed pode até estar sinalizando uma "normalização" em sua carteira de títulos, mas, a partir do momento em que o mercado acionário mostrar sinais de desaquecimento, não hesitarão em injetar novamente estímulos. Os mercados de hoje estão viciados, sem tolerância alguma para uma eventual crise de abstinência.

Marink Martins

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