Uma face ainda desconhecida

19/12/2017

Tenho enorme admiração pelo conceito de falácia lúdica descrita por Nassim Taleb. Neste, Taleb diz que fazemos uso de cenários probabilísticos análogos a aqueles utilizados em cassinos, onde todas as faces de um dado são conhecidas, para entendermos a vida e os mercados. Na verdade, se formos comparar a vida a um dado, este teria inúmeras faces, sendo que muitas delas ainda sem ter dado o ar de sua graça.

Nosso tempo de vida é muito curto. Quando comparamos o nosso tempo de existência com a idade do planeta, por exemplo, aparecemos somente na quinta casa decimal. Gosto de pensar nisso pois isso gera um certo alívio diante do desconhecido. Isso também nos ajuda a evitar aqueles momentos de arrogância onde a aleatoriedade é mascarada por padrões clássicos, euclidianos. Somos limitados a partir do momento em que, por simplicidade, buscamos categorizar todas as coisas. Para driblar tal impulso classificatório, criamos regras de bolso mentais que funcionam como ótimos guias. Dentre elas, sempre destaco aquela muito utilizada por Jim Cramer: "Discipline trumps conviction". Perde-se muito na tradução, mas gosto de entender tal colocação da seguinte forma: entre um técnico e um disciplinado, fique com o segundo! Uma afirmação deveras perigosa, mas que se for útil para te deixar mais disciplinado, então tá valendo!

Dou toda esta volta, um tanto arrogante, para expressar a minha frustração diante de um mercado americano que só faz subir, com baixíssima volatilidade; uma face de um dado antes desconhecida.

Vivi de forma intensa a bolha do Nasdaq. Fiquei vendido a descoberto inúmeras vezes no Nasdaq 100 entre os níveis de 3.500 pontos e 4.200 pontos. O que vivemos hoje nem se compara com aquele tipo de euforia. Vivíamos o início da internet. Operei muito pela Datek, E-Trade, até chegar na hoje sofisticada IB. Naquela época, a possibilidade de viver de "daytrades" era fascinante! Representou um sentimento nacional, muito bem representado pelo filme "Betting on the Market" (ver abaixo), onde vemos um Jim Cramer ainda novo.

O que mais me incomoda no atual estágio do mercado não é seu "valuation". Este não julgo assustador. Como já mencionei inúmeras vezes, julgo ser mais interessante pagar 19x o lucro no S&P 500 do que pagar 14x o lucro no IBX100. O problema é a baixíssima volatilidade fruto de um movimento de rotação setorial sem precedentes. A volatilidade no nível individual tem se comportado próximo a normalidade. Todo o problema (se é que existe um) está relacionado a um movimento coordenado e automatizado de alocação em um mercado cada vez mais dominado por cestas de ações (ETFs).

Toda a discussão sobre a reforma tributária americana começa a gerar um sentimento de otimismo na economia americana condizente com um movimento de "ultima pernada", um "melt-up". Quem sabe, se isso de fato acontecer, podemos ter um movimento clássico de alta, impulsionado por vendidos se zerando. Ao levantar esta hipótese, entretanto, revelo toda a minha obsessão pelo conhecido, pelo previsível.

Não adianta reclamar nem tentar ser herói. Devemos buscar inspiração em histórias como a de Davi e Golias contada por Malcolm Gladwell, ou mesmo, no filme Exterminador do Futuro, na cena da resistência de John Connor diante da inteligência articial Skynet.

Como muito bem colocado por Gladwell, na ausência de vantagens competitivas, não lute contra seu opositor em condições estabelecidas por ele ("do not fight your enemy in his own terms"). Seja seletivo!

Abaixo segue o vídeo "Betting on the Market". https://youtu.be/AIBodH7s6Cs

Marink Martins, CNPI

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