Zeus está vendo!

27/11/2017

Em um mundo onde as mídias sociais permitem o surgimento de um novo movimento de pop art, desta vez projetando analistas, grafistas, filósofos, professores e muitos outros, volta e meia procuro por algo publicado por um dos meus professores favoritos, o Alexandre Costa da Universidade Federal Fluminense no RJ. No passado, falando sobre o existencialismo, o professor uma vez dissera que o prefixo "bio" em grego, além de denotar vida, estava também associado a palavra arco e sua respectiva tensão. Dizia ele: não há vida sem tensão! Sua ausência é a morte.

Alexandre, ocupadíssimo com a nobre causa de ensinar, certamente não tem tempo para os mercados. Mas, suspeito eu que, caso se aventurasse por esse mundo, poderia facilmente dizer, de forma análoga, que não há mercado sem volatilidade. O curioso é que, embora aceitemos tal colocação como uma verdade, passamos boa parte da vida buscando eliminá-la. Neste sentido fazemos uso de tudo a nosso alcance. Nosso convívio problemático com a volatilidade deu vida a diversas "industrias"; desde a dos psicanalistas até a dos fármacos, e não vou nem me aprofundar no que fazemos nós, pais dos "millenials", na tentativa de coibir a volatilidade na vida de nossos pequenos.

Já nos mercados, por aqui criamos a instituição do banco central para atenuar nosso convívio com as "mudanças de humor". E assim como fazemos com os nossos queridos "millenials", os BCs também determinaram que volatilidade é algo ruim para os mercados. Enquanto na vida fazemos uso de medicamentos como a ritalina, o efexor e o prozac, nos mercados vamos mesmo é de "QE "(estímulos quantitativos, em inglês).

Nos anos 90, a experiência dos BCs com câmbio fixo, embora não tenha conseguido eliminar a volatilidade nas bolsas, gerou uma calmaria cambial que deu certa previsibilidade ao mundo. Seu efeito de embriagues durou bastante tempo, mas cada "bêbado" que acordava da consequente "ressaca" provocada pelo intervencionismo, acabava acordando o vizinho. E assim, México, Tailândia, Indonésia, Malásia, Rússia e Brasil foram caindo. A Argentina, que exagerou na dose, foi a última a acordar.

Os anos se passaram e o nível de intervencionismo só fez crescer. O ataque de 2001 deu a Alan Greenspan, na época visto como o grande"maestro" da economia global, a oportunidade de inovar, jogando os juros para níveis impensáveis. A "mãe de todas as crises" surgiu em 2008, e embora tenha o levado a infâmia, permitiu com que "QE" fosse visto como um remédio potente e eficaz.

Passados quase 10 anos da grande crise, o mundo vem abusando deste remédio cuja bula não fala muito sobre efeitos colaterais justamente pelo fato destes serem desconhecidos. Tal ciclo parecia ter chegado ao fim no início de 2016. Mas aí, em um movimento coordenado digno de deixar Zeus irado, os BCs vieram com tudo, levaram os juros para o campo negativo e injetaram US$2 trilhões de dólares nos mercados em duas doses; uma em 2016 e outra, ainda em andamento, neste ano que se aproxima de seu fim. Dizem que Zeus, ao ver o que está na carteira de Kuroda (Banco do Japão) e Draghi (BCE), rapidamente pediu para Tânatos (deus da morte) se aquecer e se preparar para entrar em campo para combater tamanho intervencionismo.

O último que desafiou Zeus desta forma foi condenado a rolar uma pedra de mármore morro a cima em um ciclo sem fim.

Em um mundo dominado por incertezas oriundas de ameaças terroristas, riscos geopolíticos, fim do bônus demográfico global, surgimento da inteligência artificial, intensificação da robótica, renovação da matriz energética e muitos outros, manter a Sra. Volatilidade artificialmente baixa é um sacrilégio que, naturalmente, sairá caro aos mortais.

Termino aqui trazendo duas radiografias do "paciente" preparadas pelo Banco Goldman Sachs:

(ambas ilustram o declínio da volatilidade nos mercados. O primeiro nos mostra o declínio da volatilidade no PIB americano, na inflação e no desemprego. Já o segundo atribui como causa da baixa volatilidade um baixo nível de incerteza quanto a inflação).

Marink Martins, CNPI

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