A escolha por um caminho mais longo
Dentre os filmes relacionados ao mercado financeiro que mais gosto, destaco o filme MARGIN CALL cujo título foi traduzido por aqui como O DIA ANTES DO FIM.
A história, embora uma ficção, tem como inspiração eventos ocorridos nos anos que precederam a grande crise de 2008. O diretor do filme, sendo filho de um diretor da antiga Merrill Lynch, cria uma bela obra capturando o espírito e a tensão de uma mesa de operações de um banco que está passando por um momento crucial em sua existência.
A história é um belo drama retratando o stress associado a uma situação de risco insustentável, que força a diretoria a se reunir durante a madrugada, e agir de forma rápida para evitar uma catástrofe. No processo, a diretoria ordena que a mesa de operações da instituição promova uma desova imediata de títulos tóxicos em carteira, a fim de reverter sua delicada posição de liquidez.
Diante de um elevado volume destes títulos em carteira, os traders sabem que uma venda rápida e volumosa trará consigo consequências maléficas para suas respectivas carreiras. Afinal, sua execução depende da capacidade de cada trader de iludir seus pares em outras instituições, convencendo-os de que sua oferta de venda é uma barganha e um rápido caminho para um "quick cash". Para isso, a diretoria da instituição vendedora está mais do que preparada para compensá-los com um cheque gordo, grande o suficiente para que estes enfrentem um longo período de ostracismo.
Neste sentido, o filme explora muito bem o dilema existencialista enfrentado por alguns em situações como estas. Seus funcionários, incluindo aqui a diretoria, mesmo cientes de toda a "escrotidão" do processo, simplesmente não conseguem dizer não aos dólares esfregados em suas faces.
Há 20 anos, atuando pelo Banco Bozano, Simonsen em Nova York, lembro-me de uma situação parecida, porém, inversa a descrita no filme.
O banco, interessado em comprar títulos soberanos brasileiros, denominados como BRAZIL PAR BONDS, coordenou um processo de compra no qual ordenou que 5 traders, de forma simultânea, ligassem para dealers e "raspassem o mercado" (comprassem tudo que estivesse a venda) destes títulos. Em poucos minutos, o banco conseguiu comprar uma enorme quantidade destes títulos, deixando muitos de seus pares vendidos a descoberto.
O banco ganhou uma fortuna, porém, teve que conviver com o desprezo do mercado nos meses subsequentes.
De volta ao filme, faço este comentário hoje buscando resgatar uma cena que julgo riquíssima e pertinente aos dilemas vividos por aqueles que atuam no mercado financeiro.
A cena que busco resgatar é aquela em que um trader mais sênior da instituição (Paul Bettany) vai ao Brooklyn tentar trazer de volta o diretor da área de risco (Stanley Tucci) que fora precipitadamente demitido por uma executiva sem-noção (Demi Moore).
O trader, mesmo reconhecendo a injustiça cometida por seu empregador, tenta convencer o diretor a aceitar a oferta da instituição em nome de um ganho rápido. Olhando para a bela casa recém adquirida a prazo pelo diretor, diz o trader: vai lá, faz o que eles querem, pegue o seu cheque, e em menos de 24h, você estará de volta a sua casa.
O diretor, ainda muito ressentido, valoriza a situação e entra em um "papo cabeça" com o trader no qual expressa um certo remorso e culpa por suas decisões de carreira.
Em um determinado momento, o diretor divaga sobre outros assuntos, e lembra que ele é um engenheiro por formação. Prossegue dizendo que, em um determinado momento, construiu uma ponte ligando o estado de Ohio ao estado da Virginía Ocidental, e que no processo, fez com que muitos economizassem com isso, infindáveis horas de suas vidas evitando longas horas de transito pesado via o caminho tradicional.
O trader,
entretanto, já cansado e impaciente, levanta-se e dá a sua cartada final ao
dizê-lo: "some
people like to drive the long way home, who the fuck knows, right?!" (algumas
pessoas preferem o caminho mais longo. Vai entender!!!)
Marink Martins