Aquele que está de fora e olha para Wall Street, ou mesmo para
a Faria Lima, muitas vezes imagina instituições bem organizadas onde jovens
ambiciosos alocados em diversas funções atuam de forma coordenada e
sincronizada em busca de operações financeiras rentáveis a qualquer preço.
Embora a percepção quanto ao objetivo talvez se aproxime da
realidade, a ideia de que as partes atuam de forma bem organizada é, em muitos
casos, uma pura ilusão.
Um bom exemplo do que busco ilustrar é o fato de que as áreas
de estruturação e "Investment Banking (IB)", aquelas responsáveis por levar aos
mercados os diversos títulos e ações negociados diariamente, nos últimos anos,
trabalharam a todo vapor, e levaram aos mercados um elevado volume de títulos
em diversas classes de ativos.
Sabe-se que nos últimos anos o volume de ETFs (cesta de ações
ou títulos de renda fixa de uma mesma classe ou setor) disparou. Nos EUA, de
2006 a 2017, o volume de ETFs de títulos de renda fixa corporativos se
multiplicou 7x. No mesmo período, o volume de títulos emitidos por países
emergentes mais do que dobrou, saindo de US$5 trilhões para US$11 trilhões. Em
suma, uma verdadeira festa nos departamentos de IBs dos bancos.
Já na área de "trading", a batida parece ser outra. Como
sempre ocorre, alguém tem sempre que pagar o pato em momentos de crise. E
embora pareça que já estejamos distantes da grande crise ocorrida em 2008, tal
evento não só deixou cicatrizes, mas também mudou a forma de atuação desta
área, responsável por manter os mercados líquidos e em equilíbrio.
A Lei Dodd-Frank talvez seja o maior legado regulatório do
período pós-crise.
Na busca por evitar os riscos sistêmicos causados por diversas
instituições financeiras na década passada, a Lei exigiu um maior
comprometimento dos bancos em diversas operações financeiras.
Os bancos, por sua vez, recuaram e reduziram suas exposições
no mercado.
Ironicamente, ao invés de reduzir os riscos sistêmicos, o que
os reguladores conseguiram foi uma transferência de tal risco das carteiras dos
bancos para as carteiras de fundos e pessoas físicas.
O curioso é que chegamos a um ponto preocupante onde o volume
de títulos emitidos supera o estoque de títulos nas carteiras dos formadores de
mercados ("market makers") em uma escala inusitada.
A consequência de tal desequilíbrio já começa a se manifestar
de forma sutil nos mercados emergentes através de um movimento de aversão a
risco que faz com que as moedas de diversos países se depreciem.
O risco de liquidez é algo que deve ser levado a sério, pois,
como uma vez disse Mark Twain, o que "mata" o indivíduo não é o que ele não
sabe, mas o que ele assume como certo e que, por alguma razão, deixa de ser.
Marink Martins