A narrativa das métricas não-contábeis

12/01/2021

Ontem, em uma entrevista na CNBC com o famoso professor de "valuation" da Universidade de Nova York -- Aswath Damodaran -- o gestor Josh Brown fez a seguinte pergunta:

"Será que nos últimos meses os analistas passaram a dar um maior peso a métricas não-contábeis como TAM (total addressable market, ou, em português, tamanho potencial do mercado) e Network Effects (efeitos de rede)" ao avaliar uma determinada empresa?

A resposta do professor foi na linha de que tais métricas sempre foram consideradas. No entanto, julgo a pergunta acima bastante interessante por nos revelar um distanciamento entre a precificação dos ativos de hoje e suas projeções de lucro em um horizonte de tempo mais curto (2 anos).

Sabe-se que ações são ativos de longa duração. Diz-se em inglês que uma empresa é um "going concern" - algo que, em tese, deve durar para sempre. Todavia, estimar o fluxo de caixa livre de uma determinada empresa para um período longo (5 anos em diante) é uma tarefa quase que proibitiva. Ainda que muitos analistas tentem, suas projeções carregam um erro tão elevado que, muitas vezes, o melhor é partir de uma estimativa mais curta e aplicar uma taxa de crescimento constante.

Mas, em um mercado que conta com uma vasta presença de empresas não-lucrativas, não há muito o que fazer senão apelar para TAM, Network Effect e TINA (a já velha expressão que, em inglês, representa a premissa de que não há outra alternativa senão investir em ações). 

Observe que embora a pandemia tenha causado um impacto devastador em alguns setores, ela foi extremamente benéfica a outros. Muitas das empresas consideradas vencedoras ("Covid Winners") viram um aumento em suas receitas operacionais que tende a não se repetir.

Assim, temos hoje nos EUA, um elevado número de empresas que negocia a múltiplos impensáveis (Valor da empresa > 30x Vendas) sustentado por narrativas não-contábeis.

Não quero aqui desmerecer tais métricas, mas é preciso que o leitor saiba que não há nada de novo nisso. Nos anos 90 algo similar foi feito com a métrica "pageviews" para justificar "valuations" que se provaram um absurdo a posteriori. 

E o pior é que tal comportamento está sendo exportado dos EUA para o resto do mundo.

Em 25 anos de carreira, nunca vi a bolsa brasileira contar com tantos ativos negociando a múltiplos de P/L superiores a 50x o lucro registrado do último ano (neste caso, refiro-me ao ano de 2019). Está certo que nunca vi a taxa básica da economia em um nível tão baixo. Mas, quem pensa que quanto menor for a SELIC maior devem ser os P/Ls está cometendo um equívoco!

Há estudos que apontam que uma taxa SELIC a 4% tende a ser mais benéfica para a economia do que uma taxa a 2%. Aqui refiro-me a princípios delineados pelo economista Knut Wicksell e explorados continuamente pelo estrategista Charles Gave - um dos fundadores da casa de pesquisa Gavekal.

Se uma taxa básica na economia conduz a P/L elevados, então as ações europeias estão uma pechincha. E se a explicação para um P/L elevado for "descrédito da moeda", saiba que períodos inflacionários conduzem a períodos de compressão de múltiplos. 

O que uma SELIC de 2% consegue fazer de forma impressionante é contribuir para formação de pirâmides. E como toda pirâmide, é difícil saber quando ela irá parar. Não quero dizer que o IBOV seja uma pirâmide! Petro, Vale, Bancos, Ambev, B3 e muitas outras estão bem fundamentadas. Dito isso, considero que comprar uma empresa brasileira negociando a múltiplos superiores a 60x uma atividade que tem uma assimetria nada convidativa.

Marink Martins 

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