Alterando a equação de valorização das bolsas para a próxima década

29/01/2020

Acredito que poucos discordem de que as limitações dos regimes democráticos vêm levando a um maior populismo em diversos países. O que era visto de forma clara na América Latina passa agora a ser visto também em países desenvolvidos. Vivemos um processo de latinização do mundo.

Dito isso, não quero fazer deste texto uma argumentação política, mas, sim, destacar que os políticos de hoje têm uma clara noção de que sua existência depende de uma associação a narrativas que gerem crescimento econômico e baixa inflação. Já se vão quase 30 anos desde que Jamer Carville ficou famoso pela expressão "It´s the economy, stupid" associada a derrota do incumbente George Bush (o pai) para Bill Clinton em 1992.

Mas, indo direto ao ponto que busco fazer aqui, é importante observarmos também a importância do que é conhecido como "Wealth Effect" (o efeito riqueza) que traça uma correlação entre os gastos de uma família e sua percepção de riqueza.

Em países desenvolvidos como os Estados Unidos, a riqueza encontra-se em boa parte em ativos financeiros. Sendo assim, a existência de políticas que contribuem para uma valorização dos ativos de renda fixa e variável tem feito enorme diferença não só no desempenho econômico de países, mas também na condução de suas políticas.

Donald Trump busca, de todas as formas, enfatizar que a vida dos americanos é hoje melhor do que quando comparada ao período da era Obama. Trump baseia-se certamente no Efeito Riqueza que tem sido extremamente benéfico devido a políticas expansionistas dos bancos centrais e de cortes de impostos promovidos pelo seu governo.

Embora existam diversos estrategistas que não cessam de nos chamar atenção ao fato de que tais políticas de expansão monetária tem vida curta, e que, em breve, resultarão em alguma espécie de caos, não podemos deixar de conceber a possibilidade de que novos políticos serão criativos o suficiente para continuar a empurrar os problemas vigentes com a barriga. Ou, como dizem os americanos: "to continue to kick the can down the road".

Para isso, entretanto, talvez seja necessário a criação de novas narrativas. Dizem que a valorização dos índices de bolsa de valores dependem de três fatores:

  • Crescimento populacional
  • Ganhos de produtividade
  • Expansão do múltiplo indicando a relação do preço da ação e do respectivo lucro projetado. (P/L)

Existe um livro do professor Roberto Gordon, da Northwestern University, chamado "The Rise and Fall of American Growth" que ataca estes três fatores e afirma que o crescimento nos próximos anos será bem inferior ao registrado nos últimos anos.

No último século o que vimos foi um enorme crescimento populacional que, combinado com ganhos de produtividade associados a diversas inovações, culminaram em um mercado de ações pujante, com fortes valorizações. As ações nos EUA subiram em média 9% ao ano, porém, com uma boa dose de volatilidade. Observe, através da tabela abaixo, o número de vezes por década que o índice S&P 500 subiu ou caiu mais do que 10%.


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Bem, podemos notar claramente que este jogo foi marcado por uma elevada volatilidade. Em quase todas as décadas passadas tivemos 7 anos de oscilações bruscas nas bolsas! Contudo, os períodos de ganhos superaram os períodos de perdas de goleada!

E, como serão as próximas décadas? Bem, "quem souber morre!" diria um amigo baiano! Embora, não tenhamos como saber como será o amanhã, devemos saber que ele vem carregado.

Saiba que as décadas aqui não representam jogos independentes. Uma década está atrelada a outra. Os excessos cometidos em uma hão de ser compensados na década subsequente.

Para que o status quo seja mantido será necessário a criação de uma nova narrativa. Quem sabe podemos repensar a equação que impulsiona os mercados? 

Que tal a seguinte redefinição?

Crescimento populacional + ganhos de produtividade + expansão de P/L

Passaria a ser substituído por:

Impressão de dinheiro + narrativas associadas a inovação + manutenção de múltiplos através do efeito TINA

Explicando isso de forma bem resumida, podemos fazer as seguintes associações:

Impressão de dinheiro = monetização de dívida. O populismo exige déficits que deverão ser financiados pelo mercado. Na ausência de um comprador destes títulos, haverá sempre o banco central para imprimir dinheiro e permitir a continuidade do processo. Isso, de certa forma já está em curso.

Narrativas associadas a inovação = Inteligência artificial, realidade aumentada, carros elétricos autônomos, e tudo mais que nos faz crer em um futuro promissor. Isso também já está em curso e é bem ilustrado pelo efeito "O vencedor leva tudo", onde o número de empresas listadas em bolsa só faz cair.

Manutenção de múltiplos através do efeito TINA (There is no alternative) - Neste caso refiro-me a repressão financeira provocada pelos bancos centrais. Ao manter a taxa de juros artificialmente baixa, os bancos centrais aumentam o grau de atratividade de outros ativos.

A grande ameaça a tudo isso é naturalmente o flagrante crescimento da desigualdade. Algo que vem sendo muito bem retratado em filmes como o Coringa e o Parasita. Até quando as minorias aguentarão esta repressão?

Marink Martins

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