Caro a 10, barato a 20

09/03/2021

Pode isso, Arnaldo? Se a percepção a respeito do valor de um determinado ativo sofre este tipo de aberração é porque há certamente alguma mudança significativa nas premissas associadas ao processo de avaliação deste ativo.

Abordo este tema pela seguinte razão: em um passado não muito distante havia uma preocupação nos mercados associada ao que é conhecido como efeito riqueza ("wealth effect") e os perigos que este fator representava a estabilidade do sistema financeiro.

Alan Greenspan, o mais longevo entre os presidentes do FED, vociferou a respeito do tema inúmeras vezes. Em uma entrevista, uma vez disse: basta uma queda de 10% no índice S&P 500 para vermos um recuo superior a 0,5% no PIB do país.

Confesso que por muito tempo acreditei que as autoridades monetárias e regulatórias (aqui não só o FED, mas também órgãos como OCC, FDIC e outros) fossem agir para impedir que esse efeito riqueza ganhasse maiores dimensões.

No entanto, em outubro de 2019 - 6 meses antes do início oficial da pandemia - ficou claro que o caminho escolhido seria outro. Aquela intervenção feita no mercado de "repo", não só impediu uma crise de liquidez no mercado americano, mas ajudou a inflar ativos ao redor do mundo. Quando chegamos a janeiro de 2020, quase todas as bolsas flertavam com recordes históricos.

Veio a pandemia e as portas que permitiam um acesso a um equilíbrio fiscal se fecharam. A verdade - e não é uma novidade - o FED e o BCE seguem o caminho percorrido pelo Banco do Japão (BOJ).

Sendo assim, este processo de monetização de dívida, em que o FED aparece como o mais importante comprador dos títulos emitidos pelo tesouro dos EUA, está somente no começo.

Uma evidência está na reação da autoridade monetária diante do recém estresse visto com os títulos de 10 anos cujas taxas subiram repentinamente para 1,6%. Conforme podemos observar no gráfico abaixo, o FED aumentou drasticamente suas compras destes títulos, de forma análoga ao que vem fazendo o BOJ ao longo dos últimos 10 anos com os JGBs (títulos do tesouro do Japão).


E é justamente por isso que argumento que o que era caro passa agora a ser visto como barato. Os fãs das criptomoedas entenderam isso e vem fazendo uma festa com tais ativos. Uma festa que pode ser, ou não, uma tremenda bolha, mas deixemos isso de lado. Estou aqui para falar de ações, que são ativos produtivos.

Assim, é possível que a tese do "crack up boom" em ativos produtivos ganhe novos impulsos. Vivemos um período de correção e acomodação - basta ver o ocorrido com o preço das ações da Apple no último mês (queda de 20%). Está em curso um processo de compressão de múltiplos de P/L que também é observado por aqui em ações da Weg e, em breve, em ações da Magalu, Rede D´or e outras. Mas, acredito que tal compressão deverá ser limitada no curto prazo. Afinal, o zeitgeist (espírito do tempo) é um em que os índices bursáteis - em termos nominais - não podem mais cair. As autoridades não querem mais recessões e aborrecimentos.

Em suma, as autoridades tratam os mercados com a mesma condescendência que os pais de hoje tratam seus filhos adolescentes. A conta certamente virá, mas bem mais a frente.

Marink Martins

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