Contendo a euforia

20/09/2017

A coluna "Bom Dia Mercado" (por sinal, excelente) diz que o mercado tende a ficar eufórico caso os argumentos da denúncia contra Michel Temer, oferecido por Rodrigo Janot, sejam aceitos e devolvidos à Raquel Dodge, pois assim, o caminho estaria livre para a votação da reforma da previdência. É impressionante como o mercado, em momentos de euforia, passa a interpretar eventos de forma distorcida. Tal reforma, se votada e aprovada, estará longe de resolver as questões do endividamento nacional. Tal assunto foi amplamente discutido no evento realizado pela B3 há algumas semanas por Gustavo Franco, Afonso Bevilaqua e Eduardo Loyo. Um consenso entre os "experts" é que teremos que revisitar este tema anualmente. Eventualmente (ler o Comentário abaixo, escrito em maio/17), este tema será encarado de uma forma completamente diferente, uma vez que a população passe a viver por mais tempo.

Com relação ao momento de euforia que estamos vivendo, vale ressaltar que nos últimos meses vimos um enorme recuo do risco-Brasil sem a devida contrapartida em termos de disciplina fiscal. O recuo neste indicador estaria mais associado a uma melhora em termos de liquidez global do que de uma melhora nos fundamentos brasileiros.

A presença do que hoje é conhecido como "Robo-advisors" vem contribuindo para um maior fluxo de recursos para os mercados emergentes. Pelo menos é isso que tenho ouvido em inúmeros podcasts sobre investimentos. Com o S&P 500 registrando recorde após recorde, nada mais natural do que uma realocação para mercados emergentes. O problema é que o "valuation" por aqui também não está tão atrativo. Não ache que só porque a taxa Selic esteja caindo, recursos irão fluir de forma indiscriminada para a bolsa. Afinal, em muitos casos, é melhor ficar na renda fixa ganhando 7,5% ao ano, do que comprar ações da Ambev sendo negociada com um P/L de 25x. Quando digo isso, ouço o seguinte comentário da ala mais otimista: Ah, mas você não pode olhar para o P/L de forma estática; você deve levar em consideração o crescimento do lucro. Ok, então vamos olhar para o "PEG ratio" (Preço/lucro/crescimento). Mesmo assim, amigo, não consigo achar a bolsa tão atrativa. Na minha opinião, caso seja necessário a elevação de impostos para equalizar o nosso déficit primário, tal crescimento deverá ser bem mais modesto do que muitos afirmam atualmente.

Marink Martins, CNPI.

enviado em maio/2017

Previdência - uma discussão com premissas ultrapassadas

Com a dívida bruta brasileira se aproximando do patamar de 80% do PIB e com uma reforma da previdência que, no melhor cenário, conseguirá apenas 65% de seu objetivo inicial de redução do déficit previdenciário em R$500 milhões em 10 anos, não restará ao Brasil uma outra alternativa, se não reduzir os juros para patamares nunca vistos antes neste país. Isso a princípio seria positivo para as empresas e, principalmente, para o mercado imobiliário. Entretanto, o nível de ociosidade no país é elevado e pouco se fala sobre novas tendências que afetarão em muito a forma como viveremos nos próximos anos. Estamos em um ponto de inflexão, e o que vemos hoje através de empresas como Uber, AirBnb e muitas outras, é somente um sinal do que está por vir. Dados do "Department of Labor" nos EUA mostram que o trabalhador americano com menos de 35 anos, em média, já trabalhou para mais de 5 organizações. Não se trata somente de preferência, mas de uma nova cultura que faz com que trabalhadores foquem em projetos, ao invés de estabelecer um longo vínculo empregatício como tem sido a prática até os dias de hoje. Por tudo isso, estamos extremamente lentos por aqui, discutindo questões de trabalho utilizando premissas ultrapassadas. Além disso, toda a discussão a respeito da idade mínima para aposentadoria, desconsidera que neste exato momento novos tratamentos para diversos cânceres na forma de imunoterapia prometem aumentar de forma expressiva a nossa expectativa de vida. Como diz o físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Luiz Alberto de Oliveira, foi-se o tempo em que se dedicava 1/3 da vida para estudar, 1/3 para trabalhar, e 1/3 para descansar. A expectativa de vida média do brasileiro que consegue chegar aos 65 anos é hoje por volta de 85 anos de acordo com o IBGE. Novas tecnologias como "checkpoint inhibitors" no tratamento de câncer e "CRISPR" na genética poderão elevar tal expectativa para algo próximo a 100 anos em um curto espaço de tempo. O problema da falta de emprego será tão grande que a discussão sobre a previdência será um luxo.

Marink Martins, CNPI.

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