Diante da frustração

19/07/2023

Há uma festa rolando em NY. E nesta época em que o mundo cabe em nossos bolsos, o acesso é livre para investidores de todos os lugares. Para participar, entretanto, é necessário uma combinação de "senhas" que envolve dois passos:

1. Entender a narrativa do momento

2. Acreditar na narrativa do momento

A narrativa do momento vai muito além dos ganhos potenciais associados aos avanços em inteligência artificial ("AI"). Ainda que a abertura inicial da festa tenha ocorrido no dia 25 de maio -- data em que o fundador da Nvidia, Jensen Huang, arrebatou o mundo com prognósticos espetaculares para a sua empresa e para sua indústria -- penso que ela tem mais a ver com uma compreensão de que o mundo pós-pandêmico representa importantes rupturas com o que era praticado previamente.

Temos hoje um índice S&P 500 que negocia a um múltiplo de Preço/Lucro Projetado (P/L) de 20,3x (o mercado projeta um lucro por ação de 224 dólares para o consolidado das empresas que compõem o índice). E isso ocorre em meio a uma taxa básica na economia dos EUA de 5,25%. Há uma tremenda frustração por parte daqueles que questionam: como pode o S&P 500 negociar com um múltiplo tão esticado em meio a um custo de capital que é tão elevado? (pelo menos em termos relativos ao histórico praticado nos últimos 50 anos)

Penso que neste mundo ultraconectado que hoje conta com milhares de novos investidores testemunha-se uma intensificação do que é chamado de "desejo mimético". Refiro-me aqui a aquilo que é desejado e impulsionado instantâneamente mundo afora. E, em se tratando dos participantes do mercado de ações, um dos objetos mais desejados é algo abstrato: o bom senso.

O que dizia o "bom senso" baseado no que ocorreu no mundo nos últimos 18 meses? (desde o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia). O bom senso apontava para uma alta possibilidade de ocorrência dos seguintes eventos:

# escassez de alimentos (afetando drasticamente o norte da África)

# escassez de energia na Europa

# aumento no preço das commodities

# aumento da inflação global

# re-precificação de ativos de forma a favorecer ações associadas a "valor", em detrimento de ações associadas a crescimento "growth stocks".

# aumento na volatilidade dos índices devido a incertezas geopolíticas

Para não me estender demasiadamente, vou resumir a frustração da seguinte forma:

"Imagine que há um grupo super-poderoso nos mercados que podemos chamar de "eixo do mal". Tal grupo nos fez acreditar no bom-senso acima e, durante um período (de maio a novembro de 2022) promoveu um comportamento de preços condizente com as expectativas. Os investidores -- usualmente lentos -- se adaptaram e se ajustaram a uma nova realidade. E, de repente, tudo é virado ao avesso. Resultado: uma imensa massa de investidores mal posicionados, frustrados e sub-alocados. Afinal, eles não só não foram convidados à festa, mas estão tendo que pagar a conta".

Sei que tudo isso pode parecer mania de perseguição. Provavelmente é isso mesmo. O fato é que, comparado às expectativas delineadas em 2022, poucos morreram de fome e de frio. Os preços das commodities recuaram, assim como os índices de inflação nos EUA. A volatilidade despencou deixando os "comprados" em VOL desesperados, torcendo para que alguma catástrofe global ecloda em algum lugar.

E o que dizer da eventual re-precificação de ativos que poderia vir a favorecer os mercados emergentes em detrimento das "growth stocks" norte-americanas? Bem, se em 2017, o professor de "branding" da Universidade de Nova York (NYU), Scott Galloway, fez sucesso com seu famoso livro "The Four" em que ele nos falava sobre o DNA da Apple, da Amazon, da Google e da Facebook, hoje só se fala nas 7 magníficas que, além destas 4 empresas citadas, incluem a Microsoft, a Tesla e a Nvidia.

Mas como eu disse anteriormente, esta narrativa é mais abrangente do que o que está associado a "AI". Observe que na Europa testemunhou-se nos últimos meses, de forma surpreendente, uma contração do diferencial de taxa ("spread") entre os títulos emitidos pelo governo da Alemanha e da Itália de prazos de 10 anos Os títulos italianos estão se valorizando mais do que os alemães, de forma que o diferencial de rendimento ("yield"), que no passado chegou a 2,5%, agora está somente em 1,6%. Tudo isso ocorrendo a despeito da relação dívida/PIB dos italianos estar superior a 140%, e da previsão de que o país incorrerá em um déficit fiscal de 4,5% em 2023.

Em suma, a festa que está em curso -- ainda que de livre acesso a todos -- é frequentada por poucos. A narrativa do momento é acreditar em uma espécie de contra-narrativa. E se você está frustrado culpe a tal da racionalidade.

Marink Martins


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