Disciplina e arrependimento

14/07/2023

Para o técnico ultra competitivo Bernardinho só existem dois tipos de dor: a dor da disciplina e a dor do arrependimento. E ele nos garante que a dor do arrependimento tende a ser a mais dolorosa. Julgo pertinente abordar este tema nesta sexta-feira, pois vejo algumas semelhanças ao comparar alguns eventos globais de 2023 com o ocorrido ao longo do trágico ano de 2008.

Antes de mais nada, deixe-me dizer que o que vou escrever tem mais a ver com uma dor (a do arrependimento) que é bem pessoal. O ano de 2008 foi um ano em que fui do céu ao inferno em alguns meses. No início do ano de 2008 "surfei" uma onda de valorização nas ações da Petrobras similar ao que alguns investidores estão "surfando" em ações das "Big Techs americanas". Está certo que a Petrobras não subiu na mesma magnitude, mas se você atua de forma alavancada (como eu fazia naquela época), uma alta modesta pode se transformar em algo espetacular. Todavia, o que importa aqui não foram os meus ganhos e perdas, mas sim as percepções que me acompanharam e me levaram a uma situação de arrependimento impactante.

Ainda que os eventos norte-americanos envolvam trilhões de dólares e sejam bem mais abrangentes do que qualquer evento ocorrido no Brasil, o que importa aqui não é o montante, mas sim a percepção, o mindset. Seguem algumas observações:

Quanto às narrativas:

Se hoje temos a narrativa associada à Inteligência Artificial, que faz com que as ações da Nvidia se valorizem diariamente, em 2008 tínhamos no Brasil a narrativa associada ao pré-sal. Em abril de 2008, quando o presidente da ANP da ocasião ventilou na mídia que o poço de petróleo, cujo nome era Carioca, teria mais de 50 bilhões de barris, o preço da ação da Petrobras disparou de forma análoga ao que observamos no momento de divulgação do resultado trimestral da Nvidia durante o mês de maio. Durante alguns meses, o preço da petrolífera brasileira se valorizou continuamente, sufocando o "vendido"; novamente, de forma análoga ao que estamos observando ocorrer em ações de empresas como a Meta, a Nvidia e outras.

Quanto ao cenário econômico vigente:

Hoje, nos EUA, uma das siglas do momento é "RINO" que quer dizer "recession in name only" (em tradução livre, uma recessão descaracterizada). Trata-se de uma forma lúdica utilizada pela mídia financeira com o objetivo de diminuir a importância de diversos indicadores que apontam para uma forte desaceleração econômica.

Neste sentido, vejo uma semelhança preocupante em relação à forma como o mercado "navegou" os seguintes eventos: quebra do Bear Stearns em março de 2008 e a quebra do Silicon Valley Bank em março de 2023. Talvez esta percepção de semelhança seja a minha principal motivação ao explorar este tema. Ainda que ambos os casos tenham sido considerados seríssimos, um movimento (uma "canetada") foi feito pelas instituições monetárias de forma a transmitir uma segurança ao público que meses mais tarde provou-se extremamente problemático. No caso do Bear Stearns, criou-se um veículo denominado Maiden Lane. Já no caso do SVB, estendeu-se a garantia bancária para todos.

Além disso, o segundo semestre do ano que antecedeu o momento que busco analisar (neste caso, o segundo semestre de 2007 e o segundo semestre 2022) foram momentos marcados por choques no mercado de ações. Quem leu o livro The Quants, de Scott Patterson, sabe que o segundo semestre de 2007 foi um que sacudiu diversos fundos quantitativos, como o fundo AQR, do famoso gestor Cliff Asness. Já no segundo semestre de 2022, testemunhamos um colapso alinhado à percepção de que o mercado americano iria finalmente voltar a refletir uma precificação mais alinhada aos fundamentos.

Quanto ao nível de complacência presente nos mercados:

Lá atrás já se falava em uma espécie de "PUT" do FED (uma percepção de que o FED sustentaria os preços dos ativos em caso de adversidades). Em 2008, ainda que todos soubessem da existência de ativos tóxicos nos balanços dos bancos, o comportamento que foi visto no mercado de ações entre os meses de janeiro e julho foi surpreendentemente positivo -- típico de deixar o pessimista retraído e envergonhado.

Nada muito diferente do que ocorre hoje em dia. Afinal, Mike Wilson -- o estrategista chefe do Morgan Stanley que é um dos símbolos do "pessimismo" atual tem sido ridicularizado continuamente na mídia financeira -- até mesmo por Jim Cramer que, em 2008, cometeu talvez o seu erro de análise mais severo ao recomendar que seus seguidores mantivessem a fé nas ações do Bear Stearns. Eu mesmo, para não perder a piada, fiz esta imagem em homenagem a Mike Wilson:

Dizem que a expressão "This time is different" (desta vez é diferente) tende a ser uma das mais "caras" ao investidor em se tratando do mercado de ações. Confesso que, quanto a este tema, acho que cada momento é sempre bem diferente. O que definitivamente não muda é aquele lema: primeiro vem a ganância, depois o medo, e por último, a "chamada de margem" provocadora de um processo de capitulação. Avalie o tamanho de sua operação e conceba a possibilidade de que tudo que você acredita possa estar errado. Talvez 2023 seja um daqueles períodos em que um empate, ou mesmo uma derrota, seja uma vitória, com tanto que você permaneça vivo.

Continuo acreditando na "outperformance" do IBOV em relação ao S&P 500. O texto acima carrega uma dose de medo, pois muitas vezes me empolgo demais e exagero no tamanho da operação. No mercado muitas vezes a falta de humildade se manifesta através do tamanho do lote.

Marink Martins

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