Duas narrativas: uma associada a Caemi, outra a Gerdau.

14/08/2020

Comentário originalmente publicado no dia 14/09/2017

Uma história sobre a alta nas ações da Caemi -- uma das mais expressivas na bolsa brasileira!

Permitam-me uma rápida história com o objetivo de ilustrar um ponto que é deveras importante.

Há 18 anos, dois irmãos receberam de herança ações da empresa Caemi, de forma que cada um pôde agregar a seu patrimônio uma posição em ações, que a preços da época, equivalia a R$100.000.

Um deles, José, era um ocupado engenheiro de telecomunicações. Vivia fazendo hora-extra, trabalhando para a antiga Telerj Celular, empresa que hoje faz parte da Vivo S.A.. José, que mal tinha tempo de almoçar, nem sequer se deu ao trabalho de transferir a custódia de suas ações do agente escriturador para a CBLC; transferência esta necessária para que ele pudesse, eventualmente, vender suas ações através de uma corretora.

Já seu irmão, Francisco, era um Agente Autônomo de Investimentos que atuava pela antiga corretora Égide. Francisco era um operador safo que, além de prover uma execução rápida a seus clientes, conseguia multiplicar sua renda mensal através do giro de sua carteira proprietária de ações.

Adepto à análise técnica, Francisco desenvolvera um método que na época provara-se extremamente eficaz: Sempre que um de seus papéis em carteira subiam por mais de 5 dias seguidos, e seu preço rompesse a banda superior do Bollinger, ele os vendia e ficava à espera de um momento mais oportuno para recomprá-lo.

Era o fim dos anos 90 e mineradoras e siderúrgicas brasileiras ainda viviam os efeitos da crise asiática que deixara o mercado extremamente ofertado. Do ponto de vista fundamentalista, ações como as da CSN, da Usiminas, da Acesita, da Vale e da Caemi estavam uma barganha, fruto de um longo "bear market". Ainda que renomados analistas dos principais bancos de investimentos da época recomendassem a compra destes papéis, repiques nos preços de tais ações provavam-se momentâneos diante da presença de uma insistente força vendedora global. As condições de mercado eram perfeitas para a estratégia de Francisco.

No início do ano 2000, através do uso de sua técnica de giro utilizando sua posição em ações da Caemi, ele conseguiu lucrar 150.000 reais. Boa parte do lucro de tais operações era investido em uma das empresas de melhor perspectiva da época, a Embratel.

O que poucos sabiam na época, é que uma das maiores transformações econômicas já vistas no planeta estava em curso. A China, que passara a década anterior abrindo seus mercados para o ocidente, caminhava-se em direção a fazer parte da Organização Mundial do Comercio. Era uma época difícil para o Brasil, cujo governo tentava manter a economia de pé após a desvalorização cambial de 1999. Ao mesmo tempo, era grande o receio dos mercados diante da possibilidade de um governo petista.

Neste período, os netos do lendário empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes, fundador da Caemi, com interesses dispersos, colocavam a venda o controle da empresa, que na ocasião, era a segunda maior mineradora brasileira. Dentre os interessados na compra: a Vale, a Anglo American, a BHP e Rio Tinto.

O estouro da bolha do Nasdaq, no início do ano 2000, trouxe uma imensa volatilidade, perfeito para operadores rápidos e "desapaixonados" como Francisco. Em sua carteira de ações constavam 3 papéis: Caemi, Eletrobras, e Embratel. A primeira -- recebida sob a forma de herança -- representava a segurança. A segunda representava a expectativa de renda (dividendos). Já a terceira, representava o sonho da expansão do mercado de fibra ótica no Brasil (pelo menos era o que dizia Francisco na ocasião). 

Através de um giro frenético de sua carteira,  Francisco terminou o ano 2000 com quase 500.000 reais; o triplo do saldo registrado no ano anterior, e o dobro do patrimônio de seu irmão José. 

De repente, de forma surpreendente, as ações da Caemi entraram em ciclo de alta sem precedentes.

No sexto dia de alta, com o preço da ação trucidando a banda superior de Bollinger, Francisco não hesitou e vendeu toda sua posição em Caemi, como sempre fizera com tanto sucesso nos últimos meses. Só que desta vez, foi diferente. O preço das ações da Caemi nunca mais voltou a um patamar que permitisse com que Francisco as recomprasse com lucro.

Até aí, tudo bem! Embora com um gosto amargo na boca ao ver suas queridas ações brilharem nas mãos de terceiros, Francisco ia muito bem, ganhando dinheiro com corretagem e giro. Em um dado momento, disse para sí: "Que se dane estas Caemis, meu negócio agora é Embratel"!

Mas o Sr. Mercado adora uma crueldade. Eis que a empresa americana Worldcom, controladora da Embratel, se envolve em um tremendo caso de corrupção que resulta em sua eventual falência.

Sem acesso ao capital da controladoras e sofrendo uma enorme inadimplência no mercado brasileiro, a Embratel começa a sofrer adversidades contábeis de forma que o preço de suas ações começa a cair de forma rápida e contínua.

Abalado emocionalmente pela perda e pelas noites mal dormidas, Francisco já não sabia mais o que fazer. Toda vez que pensar em estopar a operação, seu preço abria abaixo de um preço aceitável. Francisco acabou carregando os papeis até o fim e acabou aprendendo, da forma mais dolorosa possível, que ações, assim como opções, também podem virar "pó". No fim de 2003, seu patrimônio que atingira o patamar de R$800.000, recuou para metade deste montante.

Já José, que só ouvia falar do mercado de ações em seus raros encontros para tomar um chopp com seu irmão, foi praticamente forçado por ele a vender suas ações em 2003 quando, após uma valorização de 8.000% nas ações da Caemi, viu o valor de sua carteira atingir um patamar próximo a R$8.000.000. No embalo, Francisco o convenceu também a tirar umas férias. Após liquidar toda sua posição, José finalmente embarcou para a Aruba, um sonho de longa data.

Marink Martins


Uma história sobre a alta nas ações da Gerdau -- uma das mais frustrantes na bolsa brasileira!


A história de Francisco e José envolvendo as ações da Caemi é lendária, porém, passa uma lição um tanto traiçoeira.

José se beneficiou de um "bull market" e fez uma fortuna por fazer algo que muitos investidores simplesmente esquecem ou têm medo de fazer: Vender suas ações!!!

Eu conheço um ex-funcionário da Gerdau que, ao comprar ações de sua empresa empregadora, também no início da década passada, jurou nunca vender sua posição. Mais sintonizado com o mercado de ações do que José, deliciava-se ao atualizar mensalmente sua planilha com os preços de mercado. Em março de 2008, com o Ibovespa na máxima, seu patrimônio já estava acima de US$1,5 milhão. Toda sua contabilidade era feita em dólares, of course!

Aí veio a crise de 2008! As ações das siderúrgicas despencaram. Manteve-se frio como se soubesse, intrinsecamente, que alguém viria para o resgate. E logo veio o FED (banco central americano) e seus programas de Quantitative Easing (QE). Os mercados se recuperaram; inclusive suas adoradas ações de Gerdau. O que não percebera, entretanto, é que sua amada empresa, ao se expandir internacionalmente, se endividara de forma agressiva durante o período de "vacas gordas". Quando veio o "bear market" da primeira metade da década atual, o trio composto por Gerdau, CSN e Usiminas, por pouco, não foi dizimado. Sua intocável posição, hoje, vale menos que US$500.000.

O ponto principal que quero destacar ao contar estas histórias é aquele tão enfatizado Jim Cramer: uma coisa é um "trade", outra coisa é um investimento.

Há espaço para as duas coisas. O IMPORTANTE é não transformar um "trade" em um investimento, simplesmente pela razão de sua estratégia original não ter dado certo. Em tese, um "trade" deve vir com um plano de entrada e um plano de saída, ambos definidos a priori. Não devemos também esquecer daquela famosa música do rei Roberto Carlos: É--preciso--saber--VENDER! saber--VENDER!!!!...... 

Uma análise comparativa em termos patrimoniais pode até colocar José à frente de Francisco, e Francisco à frente do investidor da Gerdau. Mas, convenhamos: análises comparativas só contribuem para uma vida solitária. 

Por isso, defina sua estratégia e siga em frente, sem olhar para o lado!

Marink Martins

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