Toda crise precisa de uma "vacina salvadora"

22/04/2020

Começo o texto de hoje com um título provocativo buscando chamar a atenção de eventos que, a posteriori, representam pontos de inflexão nos mercados.

E seguindo a arrogância associada a afirmações exaustivas, digo o seguinte:

"Na ausência de uma "vacina salvadora", toda alta em um "bear market" tende a ser um "dead-cat bounce" (um repique não sustentável)."

Bem, se você já acompanha os meus textos há um tempo, sabe que, em se tratando dos mercados, procuro sempre evitar convicções. Mas, hoje faço esta provocação com o objetivo de fazer com que o leitor reflita a respeito do que está em curso nas bolsas. Em particular, me refiro ao comportamento do índice S&P 500 que é o mais importante indicador bursátil do mundo.

Sabe-se que este índice, após uma morte súbita no início de março, reagiu de forma vigorosa, em forma de "V", recuperando mais de 50% da queda registrada no período. E aí, será que o pior já ficou para trás? Será que tal índice adotou o lema "In the FED we trust" e está prestes a eliminar a crise de uma vez por toda? Ou será que se trata de mais um "dead-cat bounce" em meio a um "bear market"? (desculpem-me pelo uso exagerado de expressões em inglês). 

Acredito que o gráfico abaixo pode nos ajudar. Ele nos mostra o retorno acumulado em ciclos de 15 dias de pregão, ao longo da história do índice S&P 500. 

Observe que os momentos de maiores altas e maiores baixas tendem a ocorrer em períodos de "bear markets". A tabela acima nos leva a década da grande depressão, da crise de 2008 e da atual crise de 2020 (O Ano da Turbulência). 

Sendo assim, retomo a afirmação arrogante feita no início do texto que diz que toda alta é um repique a menos que tal repique seja provocado pelo surgimento de uma "vacina salvadora". O problema é que algumas "vacinas" não são tão óbvias. Elas normalmente são inicialmente identificadas por uma "casta" do mercado com acesso a informações de qualidade. Aqueles que tem acesso a "expert networks" como aquelas da série "Billions".

Bem, nós mortais nos esforçamos por aqui, estudando bastante, lutando através de tentativa e erro. 

Como exemplo do que busco transmitir aqui seguem alguns comentários específicos:

Crise do Nasdaq (2000 a 2002)

Ponto de inflexão - julho de 2002 - "vacina": crescimento da demanda chinesa após sua entrada na OMC em dezembro de 2001. A demanda da China provocou uma forte valorização nas commodities (era o início do super ciclo). Contudo, vale ressaltar que uma vez, na Casa do Saber Rio, perguntei a Maria Silvia Bastos Marques (na época presidente da CSN) se a China já estava no radar durante o período de sua gestão e sua resposta foi que não. Bem, isso ilustra como é difícil detectar algumas vacinas.

Crise do Subprime (2008 a 2009)

Ponto de inflexão - Março de 2009 - "vacina": a mudança feita na regra contábil FAS 157 permitindo que bancos passassem a precificar ativos, não mais a mercado, mas sim com base em um modelo previamente aprovado. Essa "vacina" não foi tão difícil de ser detectada. O índice S&P 500 fez fundo no dia 9/março/2009 e nunca mais olhou para trás.

Crise do petróleo (virada do ano de 2015 para 2016)

Ponto de inflexão - Fevereiro de 2016 - "vacina": o Acordo de Xangai onde o Japão permitiu que seus títulos negociassem a taxas negativas. Paralelamente, a China inflou os mercados com mais uma onda de estímulos monetários e fiscais.

Crise da covid-19

Ponto de inflexão - Na minha opinião ainda não ocorreu. Nesta crise precisamos de uma verdadeira vacina. Dito isso, não quero aqui afirmar que o índice S&P 500 ainda não fez fundo, mas sim, arrisco dizer que estamos diante de uma crise, onde os excessos cometidos ao longo dos últimos 10 anos, contribuirão para uma década perdida (em termos de retorno das ações) nos EUA.

Marink Martins 

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