Um mundo "going Turk"

22/04/2024

Que os governos estão gastando muito mais do que deveriam não é uma novidade para ninguém. Entretanto, o que muitos não observam é que este fenômeno -- predominante no Brasil -- vem ocorrendo em uma intensidade maior em países desenvolvidos como os EUA, Japão e os europeus.

Nas últimas semanas, o mundo acordou de um "sonho" e enfrentou a dura realidade do "higher for longer" (juros altos por um período mais longo) que vigorava antes da "esfuziante" reunião do FED ocorrida em dezembro do ano passado. O rendimento dos "treasuries" subiu e contribuiu para uma forte inclinação na curva de juros em diversos lugares do mundo. Por aqui, o contrato futuro do DI para vencimento em janeiro de 2033 saiu de 10,80% (no início de março) para 12% na semana passada.

E nessa batida, o papo favorito entre os agentes de mercado envolve as pautas bombas do governo brasileiro. Ninguém mais acredita no compromisso deste governo com o equilíbrio fiscal. Ok. Mas você já parou para refletir se este é um comportamento exclusivamente brasileiro?

Bem, na esfera internacional discute-se expressões como "turquenização" e "japanização" que se referem justamente a movimentos feitos por governos e bancos centrais na direção de uma manipulação da curva de juros de forma a controlar os crescentes gastos com pagamentos de juros sobre as dívidas de países.

Aconteceu na Turquia e já ocorre no Japão há anos. Os rendimentos dos títulos públicos por lá foram mantidos artificialmente baixos, gerando consequências importantes para os mercados de capitais. Em comum, há uma maior busca por ativos reais, dentre eles as ações de empresas locais tidas como mais "sólidas".

A experiência turca, em particular, nos mostra que a valorização das ações (retorno total: valorização mais rendimentos) conseguiu acompanhar a valorização do ouro, enquanto o rendimento dos títulos públicos daquele país colapsou.

Nos EUA -- que possui os mercados mais líquidos do mundo -- este fenômeno já ocorre de forma mais clara. O rendimento das ações vem "trucidando" o rendimento dos títulos públicos durante a janela de tempo que se iniciou a partir do período pandêmico.

Uma evidência deste fenômeno pode ser observada de forma mais clara através do gráfico abaixo que ilustra o diferencial de rendimento entre os títulos públicos e os títulos emitidos por empresas classificadas como emissoras de crédito especulativo ("high yield bonds"). Observe que, apesar do receio de uma eventual recessão nos EUA, o rendimento dos títulos "high yields" vem caindo enquanto o rendimento dos "treasuries" de 2 anos vem se mantendo estável -- em outras palavras, o "spread" vem se contraindo.

*** Observe que o gráfico acima ilustra rendimentos ("yields") de títulos de renda fixa. Há uma relação inversa entre o rendimento de  um título de renda fixa e seu preço-unitário. Quando o rendimento sobe, o preço-unitário dos títulos cai. Assim, os títulos "high yields" americanos vem se valorizando enquanto os "treasuries" caminham na direção oposta. 

O que o gráfico acima ilustra é uma mudança de paradigma que já toma o mundo. É uma questão de tempo para que esta nova mentalidade tome também o Brasil. E quando isso ocorrer por aqui, as empresas mais sólidas irão se valorizar e passarão a representar uma espécie de porto seguro para os "mal-acostumados" rentistas brasileiros.

Marink Martins

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