Um novo pós-crise?

20/07/2020

No passado, o pós-crise da bolsa seguia uma receita básica: primeiro subiam as "blue chips" (ações de maior peso no índice IBOV), depois as ações de segunda linha.

Contudo, o que observamos neste momento me parece bem divergente, suscitando algumas perguntas como: será que estamos de fato no pós-crise? Será que regras, como a mencionada acima, ainda preservam alguma validade?

Para aquele que está se esbaldando com a valorização das empresas do varejo digital, da WEG, da B3 e de outras, a primeira pergunta chega a ser risível.

Mas, mantendo a seriedade que busco impor a estes comentários, lembro a seguinte frase dita pelo doutor Lacy Hunt, um dos mais respeitados monetaristas do mundo: "The performance of the stock market is a lousy indicator of what is going on in the economy" (em tradução livre, ele diz que a performance da bolsa não retrata muito bem o que de fato está em curso na economia).

Novamente, aquele que está surfando a recente alta no preço dos ativos pergunta: e daí? Quem disse que a bolsa deve retratar as expectativas com relação a economia?

Em um mundo onde as bolsas se apreciam de forma de seletiva, puxada por um único setor, o desdém dos comprados diante das críticas, me parece bem justificado. Afinal, o que se acredita estar em curso é algo novo; uma transição para um novo estilo de vida.

Nunca os jovens (18 a 35 anos) foram tão relevantes nas bolsas de valores. Embora com menos recursos do que os mais velhos, eles são bem mais otimistas e mais receptivos as novas tendências.

Na minha própria casa, vivo um embate com a minha filha de 17 anos quando discutimos a respeito das principais empresas de tecnologia globais. Enquanto eu enalteço o Office da Microsoft, ela tenta me convencer a respeito de uma duvidosa superioridade do Google Sheets. Que jovem apostaria na Microsoft em uma batalha com a Google para os próximos 5 a 10 anos? Pouquíssimos!

O fato é que a crença em uma narrativa, associada às benesses associadas as novas tecnologias, se espalha de forma viral, impulsionada por uma onda de liquidez financeira sem precedentes que parece que irá perdurar ad eternum. Isso nos coloca em uma situação onde há "More Money than Fools"  (mais liquidez do que inocentes) que contribui para que o preço de ações no Brasil se descole completamente da expectativa de lucros para os próximos dois anos.

É isso: o pós-crise de hoje conta com um novo receituário. No passado, o dinheiro era mais escasso e, por isso, mais conservador, mais seletivo. Hoje, o dinheiro é mais barato, mais abundante, mais ousado, e não tem vergonha alguma de "estacionar" em ativos cujos P/Ls projetados para 2021 estão acima de 50x!

Os mais velhos não devem subestimar a força das narrativas. Quando eu era jovem eu caí no conto do "número de pageviews". O jovem de hoje, em minha ranzinza opinião, cai no conto do "TAM - total addressable market". E nem vou falar no ESG. É melhor deixar isso para um outro comentário. 

Marink Martins

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