Uma opacidade potente

24/04/2024

Nos últimos 30 dias, o Ibovespa -- denominado em reais -- registrou uma queda 1,5% enquanto o índice S&P 500 caiu 2,9%. A "outperformance" local chegou a se aproximar de 4%, mas os últimos dias não foram bons para as ações brasileiras devido a preocupações com o "fiscal", a divulgação de resultados corporativos não animadores (Usiminas) e uma performance mais negativa do preço do minério de ferro.

Dito isso, chegamos a um ponto em que os mercados voltam a se preocupar um pouco mais com questões microeconômicas (resultados corporativos daqui e de lá dos EUA) do que com questões macroeconômicas (o que acontece em Brasília, Washington, Pequim, Bruxelas, etc).

Pensando nisso, julgo ser um bom momento para refletirmos a respeito da seguinte frase dita pelo estrategista Louis-Vincent Gave:

"For an Asian tycoon, a Brazilian bond may now be safer than a house in Vancouver."

(Para um investidor milionário asiático, um título público emitido pelo Brasil pode representar uma alternativa mais segura do que a compra de uma casa em Vancouver).

Há muita coisa contida nesta afirmação. Há na opacidade desta frase a premissa de que ativos em países alinhados com os EUA em termos geopolíticos podem ser confiscados a qualquer momento, sem que um tradicional trâmite jurídico seja instaurado. Isso ocorreu com as reservas internacionais russas, assim como as reservas do Cazaquistão.

Neste sentido, a posição de neutralidade ocupada pelo Brasil pode ser considerada um ativo que parece ser hoje ainda pouco apreciada pelos investidores globais. O fato é que os rendimentos de alguns títulos públicos locais (superiores a IPCA + 6%) é certamente algo que não passa despercebido pelo mundo.

Se tem algo que é fascinante em momentos de adversidade é que as dificuldades nos forçam a identificar "ativos" que muitas vezes eram simplesmente ignorados. Muitas vezes estes ativos, que estavam ali "escondidos" como pura potência, surgem como grandes oportunidades transformacionais. O que é curioso é que isso pode ocorrer no nível individual, corporativo e soberano.

No nível individual posso citar o meu amigo Ivan Sant´anna que de uma carreira de "trader" e diretor de corretora (Ivan foi um dos fundadores da Fator CTVM), se transformou em um dos maiores escritores do Brasil. Quem não leu "Os Mercadores da Noite"?

No nível corporativo é pertinente citar a centenária Novo Nordisk, que sempre atuou no tratamento da diabetes. No entanto, nos últimos anos a empresa descobriu o potencial do hormônio GLP-1 no tratamento da obesidade e se transformou em uma das empresas mais valiosas do mundo.

Para concluir, no nível soberano poderia aqui citar a Coreia do Sul, a Cingapura e outros. Todavia, julgo pertinente citar a Turquia que, nos últimos dois anos, parece ter abandonado de vez o Consenso de Washington, com consequências importantes e divergentes na precificação de seus ativos. Enquanto o mercado de renda fixa colapsou, o mercado de renda variável surpreendeu de forma positiva.

Disse Churchill: "never let a goood crisis go to waste". (traduzo como "nunca desperdice as oportunidades transformacionais associadas a uma crise").

Marink Martins

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