Uma partida de futebol e um contrato binário
Imaginem um jogo disputado de Copa América. Um Brasil vs. Argentina, com direito a Neymar de um lado e Messi do outro.
Em paralelo, uma bolsa de apostas com uma espécie de contrato binário que paga US$100 ao titular do contrato caso o Brasil saia vencedor da partida.
Começa o jogo e simultaneamente rola um leilão na bolsa onde compradores e vendedores lutam para achar um ponto de equilíbrio. O jogo começa travado, e até os 15 minutos do primeiro tempo não ocorre sequer uma jogada de perigo. Na bolsa de apostas, apesar de um maior número de otimistas com a seleção canarinho, o primeiro negócio sai a US$38.
Arnaldo, que muito sabe sobre futebol, e adora fortes emoções, não hesita e compra 1.000 contratos ao longo dos primeiros 15 minutos, puxando o preço do contrato para US$45.
O Brasil começa a dominar o jogo, e aos 37 do primeiro tempo, Neymar sofre uma falta na entrada da área. Ele mesmo ajeita a bola com carinho, pois sabe muito bem que dali já marcara mais de 20 vezes durante os treinos. Não deu outra, goleiro de um lado, bola do outro, Brasil 1 a 0.
Com o "momentum" a seu favor, o time avança, pressiona, a torcida canta, e os argentinos começam a acusar o golpe. Enquanto isso na bolsa, Arnaldo, posando de "mão-forte", compra mais 1.000 contratos e leva seu preço médio para US$52. O último negócio, já faltando 1 minuto para acabar o primeiro tempo, saíra a US$68. Intervalo de jogo.
Os argentinos só não estão mais irritados do que os vendidos nos contratos binários da bolsa. Enquanto no estádio os brasileiros fazem uma tremenda festa, insultando os argentinos, na bolsa de apostas ocorre algo irracional: tem brasileiro torcendo para Argentina, argentino torcendo para o Brasil, e até inglês torcendo para a Argentina; por lá, o que manda são os dólares!
O resultado adverso e a presença de um "mão forte" como Arnaldo, faz o "vendido" lembrar da época em que o Banco Garantia dominava o mercado de opções. Durante o intervalo, apostadores aproveitavam o marasmo para estudar o volume de contratos negociados. Havia 12.000 contratos em aberto, o equivalente a aproximadamente US$660.000 na mesa. O comprado via seu saldo em conta corrente ser debitado instantaneamente, enquanto o vendido depositava uma garantia financeira equivalente a sua perda potencial.
Começa o segundo tempo, e numa tremenda vacilada da zaga argentina, digna da lambança cometida por Cerezo em 82, Neymar fica cara a cara com o goleiro, e não perdoa; Brasil 2 a 0.
Arnaldo aproveita a festa, pressiona na compra de forma a provocar um certo desespero no vendido, e de forma oculta através de uma triangulação, começa a reduzir sua exposição.
Aos 20 do segundo tempo, os argentinos começam a mostrar um certo poder de reação, utilizando também aquela velha catimba já conhecida por todos. O tempo passa, porém, o preço do contrato pouco oscila, estacionado próximo a US$75, desafiando o modelo matemático de precificação dos contratos. Afinal, se o jogo terminasse naquele momento, o contrato valeria US$100. No jargão técnico, o contrato está dentro do dinheiro, e seu "delta" cada vez mais próximo de 100%.
Poucos sabem que o experiente Arnaldo já assistira a mais de 23 partidas entre Brasil e Argentina, e que em uma das quais apostou pesado no passado, sofrera uma imensa derrota por ser ganancioso e subestimar que o ritmo, ou volatilidade da partida, poderia ser alterado subitamente diante de um evento inesperado. Por isso, Arnaldo começa a "zerar" seus contratos, mesmo a um preço abaixo do que seu avançado modelo probabilístico sugere.
O relógio marca 30 do segundo tempo, e Arnaldo só tem 300 contratos restantes. O preço do contrato está saindo a US$73 e, coincidentemente, Neymar cede a provocação do lateral argentino, perde o controle, dá-lhe um tapa na orelha e é expulso. Apesar do evento adverso ao Brasil e do ímpeto portenho, o contrato fica meio parado, negociando a US$74.
Se por um lado, o Brasil joga com um a menos, tem o "relógio" a seu favor, pois só faltam 10 minutos para o fim do jogo no tempo regulamentar. Aos 39 minutos, em um escanteio que deveria ser um lateral, a Argentina diminui com gol de cabeça de Di Maria que subira sozinho. Arnaldo, que não é bobo e odeia assistir aos últimos cinco minutos de jogo, zera todos os seus contratos e fica satisfeito com seu preço médio de US$71,50.
Aos 44 minutos, Messi que até então estava apagadinho durante grande parte do jogo, recebe na meia esquerda, dribla três, entra na área e é derrubado pelo goleiro. O juiz não hesita e aponta para a marca do pênalti. Os argentinos vão a loucura nas arquibancadas.
Na bolsa, antes mesmo que Messi pegue a bola e caminhe em direção a marca do pênalti, o preço do contrato despenca para US$35, sendo que no último minuto, oscilara entre US$15 e US$53. Messi cobra com a categoria de sempre, no canto esquerdo, empata a partida para tristeza dos 35.000 brasileiros presentes no estádio.
O juiz resolve dar 4 minutos a mais de jogo, mas tanto no campo como na bolsa, paira um enorme desânimo. Faltando 2 minutos para o jogo, alguns apostadores "vendidos" optam por se zerar, pagando US$8 por contrato.
O jogo termina aos 49 minutos do segundo tempo, 2 a 2, deixando um gosto amargo, tanto para os torcedores como para a maioria dos apostadores. Arnaldo, porém, está em êxtase com seu lucro de quase US$40 mil; não só pelo montante, mas, principalmente, por ter honrado com um mandamento que aprendera desde à época em que operava no mercado de opções de ações: Sempre evitar os últimos minutos de jogo (ou, no mundo das opções, a semana do vencimento!)
Marink Martins